Helio Ventura

Helio Ventura
Helio Ventura, Cientista Social e Músico

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Aprovação do Estatuto da Igualdade Racial

10/09/2009
É o racismo, estúpidos
Edson Lopes Cardoso
edsoncardoso@irohin.org.br
O repórter Bernardo Mello Franco, de “O Globo”, escreveu que a “Câmara dos Deputados aprovou ontem uma versão esvaziada do Estatuto da Igualdade Racial”. Na mesma reportagem, o ministro Edson Santos afirmou que “o grande avanço é que ele não vai gerar conflito”. (O Globo, p. 11.)

O Dep. Luiz Alberto (PT-BA) por sua vez afirmou, em pronunciamento da tribuna da Câmara, que o texto aprovado era “o possível”. E acrescentou: “Em caráter conclusivo, a matéria vai ao Senado Federal, onde também há um acordo para imediatamente se constituir uma Comissão Especial para aprovar o Estatuto, a fim de que o Presidente Lula, ainda este ano, possa sancioná-lo e dar ao Brasil uma oportunidade de se criar uma verdadeira democracia.”

Segundo ainda a reportagem de Bernardo Franco, “o DEM elogiou as mudanças”. Quem conduziu as negociações pelos Democratas foi o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) e já se pode bem avaliar a profundidade (e a realidade) da “verdadeira democracia” para a qual se abrem agora todas as oportunidades.

Johanna Nublat, repórter da “Folha de S. Paulo”, escreveu que a oposição, comandada por Lorenzoni, afirmou “ter tirado todos os pontos com os quais não concordava”. (FSP, p. C9.) Ao “Correio Braziliense”, o deputado fez declarações mais incisivas: “Tiramos qualquer tentativa de racialização do projeto”. (CB, p. 11.)

Nublat, aliás, é autora da pérola mais preciosa escrita sobre a versão do Estatuto aprovada ontem na Câmara dos Deputados: “Há também pontos mais práticos, como a possibilidade de o governo criar incentivos fiscais para empresas com mais de 20 empregados e pelo menos 20% de negros.”

Quando o ponto mais prático é uma possibilidade, o leitor pode bem dimensionar o que representa a proposta aprovada para a superação das desigualdades raciais. Nem falo de racismo, porque a Comissão Especial, a rigor, nunca tratou do tema. Mas é fato que, sem falar de racismo, não alcançamos as motivações fundamentais.

Há algumas semanas, a mídia divulgou a discriminação sofrida por Januário Alves de Santana, agredido por seguranças do supermercado Carrefour numa cidade da Grande São Paulo. Todos conhecem a história do homem negro, técnico em eletrônica, que foi acusado de tentar roubar seu próprio veículo, um EcoSport. Acusado e violentamente espancado nas dependências do Carrefour.

Segundo ainda o noticiário, Januário viveu tantos constrangimentos após a compra do veículo, que decidiu se livrar dele. Creio que deveríamos fazer uma reflexão sobre como essas imposições violentas de limites têm afetado a população negra. Inclusive entidades e parlamentares.

Por causa de seus traços fisionômicos, seu fenótipo, e de um conjunto de injunções decorrentes da hierarquização do humano vigente entre nós, Januário vê-se obrigado a rever seu projeto, reduzindo suas dimensões, buscando adequar-se aos limites impostos pelo racismo.

Um modelo mais modesto de veículo talvez lhe permitisse acomodar-se aos limites rígidos preestabelecidos, seguramente é o que pensa Januário.

Segundo os seguranças do Carrefour citados na revista Carta Capital, tudo, toda a informação estava na cara de Januário. Sua cara não nega, teriam dito os seguranças. E mais: “Você deve ter pelo menos três passagens pela polícia”. Sendo assim, não admiraria que Januário, renunciando a seu projeto legítimo de possuir um EcoSport, fosse preso ou assassinado conduzindo uma bicicleta.(Carta Capital, nº 560,25/08/09 p.16.)

O fato é que os negros vivem em um mundo em que se sabe de antemão muita coisa sobre eles. Impressiona a quantidade de informação que o olhar racista pode colher em um rosto negro. Os negros são no Brasil a evidência pública de um conjunto de delitos.

Apoiado por muitos outros autores, Umberto Eco afirma que é o outro, é o seu olhar, que nos define e nos forma. E não se trata aqui, diz ele, de nenhuma propensão sentimental, mas de uma condição fundadora (ver Cinco escritos morais. Editora Record, 1997, p. 95.)

Já sabemos como somos vistos e, a partir desse olhar, como devemos nos definir e conformar nossos projetos. Seria melhor dizer como devemos amesquinhar e reduzir nossos projetos. Sonhos não realizados, esperanças frustradas reafirmando e reforçando a ideologia que previamente nos classificou a todos.

Os parlamentares negros que ontem cantaram e ergueram os punhos fechados e se abraçaram ao DEM, o ministro Edson Santos, a Seppir, a Conen, a Unegro, todos comemoravam no fundo a redução e o amesquinhamento do projeto de Estatuto. Conformaram-se ao “possível”. Confiam que na redução ainda se podem projetar ganhos eleitorais. Vão colher, seguramente, o que plantaram.


Comissão da Câmara aprova Estatuto da Igualdade Racial 'desidratado'

Brasília - Cantarolando “Sorriso Negro” - música de Adílson Barbado e Jorge Portela, gravada por Dona Ivone Lara -, deputados federais e militantes do movimento negro comemoraram a aprovação por unanimidade do substitutivo do projeto de lei que cria o Estatuto da Igualdade Racial, em comissão especial da Câmara dos Deputados.

A aprovação foi viabilizada por um acordo feito entre o ministro da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Edson Santos, e membros da comissão, inclusive do partido Democratas, que move ações de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a política de cotas raciais da Universidade de Brasília (UnB) e contra o decreto presidencial de regularização de terras quilombolas.

A expectativa é que o acordo evite a apresentação de recursos no plenário da Câmara e que o projeto volte ao Senado (a proposta original é do senador Paulo Paim, do PT-RS) e também lá seja aprovado em caráter terminativo.

Na avaliação do relator do projeto substitutivo, deputado Antônio Roberto (PV-MG), o acordo foi bom, pois garantiu “a filosofia básica do estatuto, que é a inserção do negro na nossa cultura e na nossa sociedade”.

Para o deputado Carlos Santana (PT-RJ), presidente da comissão especial, o projeto faz reparação a “uma injustiça de 121 anos” (desde a abolição da escravatura) e representa o reconhecimento da desigualdade. “Só esse reconhecimento vai fazer com que a gente exija políticas públicas”, acredita.

O vice-presidente do Congresso Nacional Afro-Brasileiro, Ubiraci Oliveira, afirma que “já passava da hora” de o projeto de lei ser aprovado. Em sua avaliação, a lei é um “avanço” político e um instrumento de combate ao racismo. “O Estatuto da Igualdade Racial dá uma força poderosa para que esses atos de vandalismo contra o ser humano não venha se perpetuar”, disse se referindo ao recente episódio de agressão a um consumidor negro em um supermercado em Osasco (SP).

Apesar da comemoração, parlamentares e militantes negros assinalaram o caráter limitado do projeto aprovado. “Eu não saí satisfeito”, disse o deputado Damião Feliciano (PDT-PB). “Nós fizemos um acordo porque senão a gente não aprovava. Há dez anos que se faz essa discussão e nisso desidratou-se o estatuto na sua essência”, criticou.

O deputado Damião reclamou, por exemplo, da exclusão, no texto, da política de cotas raciais para a educação e para inclusão de atores negros na TV e no cinema. O deputado Índio da Costa (DEM-RJ) discordou. “Buscou-se entendimento retirando todos os excessos. Todas essas aberrações saíram do texto”, disse se referindo às cotas, à exigência de empregados negros para prestadores de serviço ao Estado e à destinação de áreas de quilombolas. “O negro passa a ter um instrumento de crescimento a partir de incentivo e não por uma obrigação”, defendeu o democrata.

Para o correligionário Onyx Lorezoni (RS), a comissão especial aprovou o “estatuto da mestiçagem” que evita “o germe da divisão”. Segundo o deputado gaúcho, o acordo com o governo não representa mudança de atitude do Democratas e a legenda manterá suas ações no STF. “Nós somos favoráveis às cotas sociais, mas a cota racial não. Porque aí a gente começa a dividir esse país mestiço”, explicou.

Na avaliação do ministro Edson Santos, “o estatuto não pode ser um documento que vá gerar disputas e conflitos, mas tem que ser uma lei que una a sociedade no sentido de encaminhar políticas que diminuam a desigualdade no país”.

O autor do projeto original, senador Paulo Paim, também contemporizou. “Não considero que o meu projeto tenha sido desfigurado. Projeto bom é o projeto aprovado. Entre o ideal e o possível há uma distância. Aqui foi construído o possível”, comemorou.

Fonte: Jornal da Mídia.

Notas:

Por exigência do DEM, texto votado pela comissão especial excluiu referência específica a quilombolas. Também deixou de fora a regra que previa oportunidades iguais para negros nas áreas de publicidade, televisão e cinema. O texto aprovado traz diversas modificações feitas pelo relator em acordo com as reivindicações do DEM. Entre elas, está a retirada do inciso com a definição de remanescentes quilombolas. A estratégia foi suprimir o conceito para manter uma definição “genérica” de remanescente prevista na Constituição, no intuito de dificultar a titulação de terras para esses povos.

“No relatório foi suprimida a essência de muitas coisas que nossa raça conquistou. Este estatuto está desidratado. Mesmo assim, é melhor 30% de alguma coisa do que 100% de nada”, protestou o deputado Damião Feliciano (PDT-PB), que lamentou a retirada do texto das cotas para negros no ensino público. O relator retirou do texto também a expressão “iguais” no artigo que define oportunidades de emprego para negros em publicidades, programas de TV e cinema. O deputado Antônio Roberto reescreveu a redação do artigo para evitar que um novo embargo da bancada do DEM. Também foi retirado do texto, os artigos sobre tratamento diferenciado em licitações para empresas com negros no quadro se funcionários.

Ficou mantido no texto, as cotas em partidos políticos para representantes de comunidades negras. De acordo com o texto aprovado, coligações e partidos políticos devem ter, no mínimo, 10% de representantes negros em suas campanhas para eleições de deputados federais, estaduais e vereadores.

Fonte: Renata Camargo, Congresso em foco.



Uma lei pra inglês ver
Gazeta do Povo/PR


Sexta-feira, 11 de setembro de 2009


Ativistas do movimento negro afirmam que a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial não traz mecanismos práticos para a redução das desigualdades no Brasil. O texto foi aprovado na Câmara dos Deputados na quarta-feira e sofreu diversas modificações desde o projeto inicial. A matéria tramita no Congresso há dez anos e a base governista teve de abrir mão dos pontos principais para tirá-la da gaveta. Ficaram de fora a criação de cotas nas universidades públicas e a regularização de terras quilombolas. A votação ocorreu em caráter conclusivo e o texto segue agora para o Senado.


O deputado Antônio Roberto (PV-MG), relator, queria ter aprovado o projeto em maio, mas suspendeu a votação para negociar com os líderes da oposição quatro pontos principais. O primeiro era a questão quilombola. Pelo texto inicial, descendentes de comunidades negras teriam assegurado o direito de regularização fundiária das terras ocupadas. O segundo ponto era a criação de cotas em todas as universidades públicas brasileiras de acordo com o porcentual de negros de cada estado. Em terceiro lugar estava a exigência de um porcentual mínimo de afrodescendentes nos meios de comunicação. E, por fim, o favorecimento de empresas com ações afirmativas (incentivo à contratação de afrobrasileiros, por exemplo) em licitações públicas. Todos os pontos de discórdia foram retirados.


Para os militantes, houve a supressão das principais ações que poderiam trazer mudanças imediatas para a população negra. Foram aprovadas questões relativas à saúde dos afrodescendentes, discriminação na internet e liberdade religiosa. Foi uma derrota muito grave. O governo abriu mão da negociação. É uma lei para inglês ver, afirma Reginaldo Bispo, coordenador nacional de organização do Movimento Negro Unificado, um dos principais movimentos sociais do Brasil em prol das ações afirmativas. Para ele, o Estatuto será inoperante e uma armadilha eleitoreira para 2010.


Um dos principais argumentos de quem era contrário à aprovação desses pontos na nova legislação é que esse seria um marco divisor do Brasil em raças. Já os críticos desse pensamento afirmam que o país sempre foi dividido entre negros e brancos. Há 500 anos é assim. Até hoje, as classes populares tiveram poucos ganhos, argumenta Bispo. A aprovação reflete a desigualdade social. O Estado continua a beneficiar uma elite branca.


No Paraná, a Associação Cultural de Negritude e Ação Popular (ACNAP) também lamentou a aprovação do Estatuto sem os pontos considerados principais. A questão das cotas é primordial. Aqui na Universidade Federal do Paraná, por exemplo, conseguimos colocar 2 mil negros no ensino superior em cinco anos. Imagine esse processo em todo o país?, diz o militante Jaime Tadeu. Ele argumenta que há relutância de determinados setores da sociedade em reconhecer a desigualdade. Acham que somos todos iguais e que não existe discriminação. Não posso tratar de forma igual quem viveu explorado por 500 anos. Para Tadeu, somente a possibilidade de incentivos fiscais e recomendação de mais investimentos e não uma lei determinando isso não farão grande diferença no cotidiano dos negros.


* * *
Principais pontos
Confira como ficou o Estatuto da Igualdade Racial:


O QUE FOI APROVADO
Política
Partidos serão obrigados a ter 10% de negros, e não 30% como era previsto anteriormente, entre os candidatos nas eleições proporcionais.


Saúde
O Sistema Único de Saúde (SUS) terá de se especializar em doenças mais comuns na população afrobrasileira, como a anemia falciforme. Também cria as diretrizes da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra.


Educação
Inclui no currículo obrigatório disciplinas que estudem a História da África e do negro no Brasil.


Esportes
A capoeira foi reconhecida como esporte de criação nacional e o Estado deve garantir recursos para manutenção e proteção da prática.


Empregos
O poder público poderá dar incentivos fiscais para empresas que tiverem mais de 20 empregados ou que contratarem pelo menos 20% de negros.


Discriminação
A proposta acrescenta ao crime de racismo a prática deste ato pelo meio virtual. A pena varia de um a três anos.
Recursos


O Estado deverá prever recursos para ações afirmativas nos planos plurianuais e nos orçamentos anuais.
Liberdade religiosa


Assegura o livre culto às religiões afrodescendentes e a possibilidade de denúncia ao Ministério Público em casos de intolerância religiosa.


Acesso à terra
O Estado expandirá o financiamento agrícola para desenvolver as atividades da população afrobrasileira no campo.


O QUE FICOU DE FORA


Saúde
A identificação da raça/cor em documentos do SUS, que serviria de base para traçar políticas públicas específicas.


Educação
Criação de cotas em todas as universidades públicas brasileiras e nos contratos do Fies.


Quilombolas
Remanescentes de quilombos teriam a propriedade definitiva das terras ocupadas.
Mercado de trabalho


O Estado poderia realizar a contratação preferencial de afro-brasileiros no setor público e incentivar medidas semelhantes nas empresas privadas.


Em uma licitação, o critério de desempate poderia ser o fato de empresas terem ou não ações afirmativas.
Meios de comunicação


Filmes, peças publicitárias e programas de tevê teriam no mínimo 20% de afrobrasileiros.


A POSIÇÃO DA SEPPIR:


Estatuto da Igualdade Racial representa avanço histórico

O Estatuto da Igualdade Racial (PL 6264/2005, do Senado Federal), aprovado pela Câmara dos Deputados no dia 9 de setembro de 2009, representa um avanço histórico. Entre as várias conquistas, uma merece destaque especial: a instituição de um conjunto de mecanismos legais para organizar e articular as ações voltadas à implementação das políticas e serviços destinados a superar as desigualdades étnico-raciais existentes no país, o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (SINAPIR).

A previsão de fontes de financiamento para a promoção da igualdade racial é outra grande conquista. O Estatuto estabelece, por exemplo, que os orçamentos anuais da União deverão contemplar as políticas de ações afirmativas destinadas ao enfrentamento das desigualdades raciais nas áreas da educação, cultura, esporte e lazer, saúde, trabalho, meios de comunicação de massa, moradia, acesso à terra, segurança, acesso à justiça, financiamentos públicos e outros.

De maneira geral, os 70 artigos do Estatuto criam ou ampliam vários direitos nas áreas econômica, social, política e cultural. Agora o texto aprovado pelos deputados volta para a Casa de origem: o Senado Federal. A expectativa é que a proposta seja apreciada pelos senadores e sancionado pelo presidente Lula até 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra.

A seguir, os principais pontos do Estatuto:

Comunidades quilombolas - O texto aprovado reafirma o princípio constitucional de que os moradores das comunidades remanescentes de quilombos têm direito à propriedade definitiva das terras. O Estatuto, assim, fortalece o decreto n º 4.887/2003, que regulamenta o artigo 68 da Constituição Federal, que trata da demarcação de terras quilombolas. Os direitos dessas comunidades estão garantidos ao longo de todo o texto aprovado, de forma transversal. Um dos itens do Estatuto prevê, por exemplo, que para fins de política agrícola, os remanescentes receberão tratamento especial diferenciado, assistência técnica e linhas especiais de financiamento público destinados à realização de atividades produtivas e de infraestrutura.

Cultura - O Poder Público garantirá o reconhecimento das sociedades negras, clubes e outras formas de manifestação coletiva da população negra, com trajetória histórica comprovada, como patrimônio cultural. A capoeira, por exemplo, passa a ser reconhecida como desporto nacional ao ter a garantia de registro e proteção, em todas as suas modalidades.

Descentralização das políticas públicas - O texto institucionaliza o Fórum Intergovernamental de Promoção da Igualdade Racial (FIPIR), coordenado pela Secretaria Especial de Políticas Públicas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR). Dentre os estados e municípios, mais de 500 já aderiram ao Fórum. A adesão implica na criação de órgãos locais para cuidar exclusivamente da igualdade racial. Assim, o Fórum estimula a disseminação de políticas de igualdade racial por todo o país. Estados e municípios participantes do FIPIR têm prioridade no recebimento de recursos de programas desenvolvidos pela SEPPIR e ministérios parceiros.

Direitos políticos - Cada partido político ou coligação deverá reservar o mínimo de 10% de vagas para candidaturas de representantes da população negra.

Educação - O Estatuto estabelece parâmetros para a aplicação de ações afirmativas voltadas à população negra, como o sistema de cotas raciais para o acesso ao ensino público. Independentemente do Estatuto, há um projeto de lei tramitando no Senado (PLC 180/2008) que trata especificamente sobre a instituição de cotas raciais para o ingresso nas universidades públicas. Mesmo sem ter sido aprovado ainda, 79 universidades já criaram políticas de ações afirmativas. Dessas, 59 possuem cotas raciais, conforme dados do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase).

Financiamento - O Estatuto prevê fontes de financiamento para programas e ações que visem à promoção da igualdade racial. Os orçamentos anuais da União, por exemplo, deverão contemplar as políticas de ações afirmativas destinadas ao enfrentamento das desigualdades raciais nas áreas da educação, cultura, esporte e lazer, saúde, trabalho, meios de comunicação de massa, moradia, acesso à terra, segurança, acesso à justiça, financiamentos públicos e outros. Outro destaque é que o Poder Público priorizará o repasse dos recursos referentes aos programas e atividades previstos no Estatuto aos estados, Distrito Federal e municípios que tenham criado conselhos de igualdade racial.

Justiça e segurança - O Poder Público Federal instituirá, na forma da lei, e no âmbito dos poderes Legislativo e Executivo, ouvidorias permanentes em defesa da igualdade racial. O texto prevê ainda atenção às mulheres negras em situação de vulnerabilidade, garantindo assistência física, psíquica, social e jurídica. Para a juventude, prevê que o Estado implementará ações de ressocialização e proteção de jovens negros em conflito com a lei e expostos a experiências de exclusão social.

Meios de comunicação - Na produção de filmes, peças publicitárias e programas destinados à veiculação pelas emissoras de televisão e em salas cinematográficas, deverá ser adotada a prática de conferir oportunidades de emprego para atores, figurantes e técnicos negros, sendo vedada toda e qualquer discriminação de natureza política, ideológica, racial e artística. Além disso, os órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica ou fundacional, as empresas públicas e sociedades de economia mista federais deverão incluir cláusulas de participação de artistas negros nos contratos de realização de filmes, programas ou quaisquer outras peças de caráter publicitário.

Moradia - O Poder Público garantirá a implementação de políticas para assegurar o direito à moradia adequada da população negra que vive nas favelas, cortiços, áreas urbanas subutilizadas ou em processo de degradação. Esse direito inclui, por exemplo, a garantia da infraestrutura urbana e dos equipamentos comunitários e a assistência técnica e jurídica para a construção, a reforma ou a regularização fundiária da habitação. Além disso, os programas, projetos e outras ações governamentais realizadas no âmbito do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), regulado pela lei nº 11.124/2005, devem considerar as peculiaridades sociais, econômicas e culturais da população negra. Os estados, o Distrito Federal e os municípios estimularão e facilitarão a participação de organizações e movimentos representativos da população negra na composição dos conselhos constituídos para fins de aplicação do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS).

Religião - Garante a liberdade para a prática de religiões de matrizes africanas. Além disso, assegura a assistência religiosa aos praticantes internados em hospitais ou em outras instituições de internação coletiva, inclusive os submetidos a pena de privação de liberdade.

Saúde - Cria os marcos legais para a implantação de políticas de saúde voltadas às especificidades da população negra, e para a garantia do acesso igualitário ao Sistema Único de Saúde (SUS). A proposta fixa ainda as diretrizes da política nacional de saúde integral da população negra.

SINAPIR - O texto institui o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (SINAPIR) como forma de organização e articulação voltadas às implementação do conjunto de políticas e serviços destinados a superar as iniquidades raciais existentes no país, prestadas pelo Poder Público Federal. O estados, DF e municípios poderão participar do SINAPIR mediante adesão. O Poder Público Federal incentivará a sociedade e a iniciativa privada a participar do SINAPIR.

Terra - Serão assegurados à população negra o acesso à terra, assistência técnica rural, a simplificação do acesso ao crédito agrícola e o fortalecimento da infraestrutura de logística para a comercialização da produção. Aos remanescentes das comunidades quilombolas que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir os títulos respectivos. Para os fins de política agrícola, os remanescentes das comunidades dos quilombos receberão dos órgãos competentes tratamento especial e diferenciado, assistência técnica e linhas especiais de financiamento público, destinados à realização de suas atividades produtivas e de infraestrutura.

Trabalho - Pelo texto aprovado, o Estado vai investir fortemente para inserir o negro no mercado de trabalho, seja no setor público ou privado, por meio de ações afirmativas. Entre as políticas de inclusão, poderá oferecer incentivos a empresas com mais de 20 empregados que contratarem pelo menos 20% de negros. O Estatuto prevê ainda que o Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (CODEFAT) formulará políticas, programas e projetos voltados para a inclusão da população negra no mercado de trabalho e orientará a destinação de recursos para seu financiamento.

Coordenação de Comunicação Social

Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial

Presidência da República
Esplanada dos Ministérios, Bloco A, 9º andar - 70.054-906 - Brasília (DF)
Telefone: (61) 3411-3659/ 3699/3696


DISCURSO DO SENADOR PAULO PAIM:


Senhor Presidente,

Senhoras e Senhores Senadores.

Na quarta-feira passada quebramos um tabu. A Câmara dos Deputados aprovou em caráter conclusivo a redação final do Estatuto da Igualdade Racial.

Matéria de nossa autoria que apresentei há dez anos e tive por inspiração a Carta da Liberdade, divulgada por Nelson Mandela, em 1955 no Congresso do Povo. A carta me foi entregue por Winnie Mandela quando visitei Nelson Mandela no cárcere.

O nosso Estatuto da Igualdade Racial segue o princípio de apontar a direção ao poder público nas esferas federal, estadual e municipal. Bem como para a iniciativa privada.

O estatuto também foi inspirado na luta dos Direitos Civis dos negros norte americanos. Lembro que depois da marcha de Washigton liderada por Martin Luther King, a Suprema Corte e o Congresso Nacional daquele país reconheceram os direitos dos negros norte americanos.

Senhor presidente,

Nós brasileiros estamos trilhando esse caminho.

Foram 9 anos de debates e discussão para o aprimoramento do Estatuto da Igualdade Racial, para isso foram realizadas centenas de audiências e seminários pelo Brasil com a participação de milhares de pessoas movimento negro,...

... as matrizes religiosas, as universidades, as escolas, os quilombos, se envolveram nestas, branco, negros, indígenas, homens e mulheres que acreditam em um mundo sem discriminações e com a igualdade de oportunidades.

Quero destacar que nesta caminhada, todos nós estamos aprendendo. Primeiro, que o preconceito e a discriminação ainda estão enraizados na sociedade e depois, que entre o ideal e o possível precisamos dar continuidade ao processo de transformação de uma cultura de 500 anos de exclusão do povo negro.

É claro que o movimento de forma legítima quer uma política mais contundente, mas no decorrer dos anos, com o Estatuto sempre engavetado eles perceberam que o caminho era ceder para avançar e demarcar uma política de promoção da igualdade racial na vida econômica, social, política e cultural do País.

O Estatuto da Igualdade Racial não é o fim, mas o começo de uma trajetória de políticas públicas para igualdade racial de forma quantitativa e qualitativa.

A matéria que aprovamos ontem agora voltará para apreciação desta Casa e esperamos que no próximo dia 20 de novembro, data em que comemoramos o Dia da Consciência Negra, tenhamos a lei sancionada pelo presidente Lula.

Quero senhoras e senhores senadores, parabenizar a todos os que participaram desse importante momento.

Cumprimento o presidente da comissão que analisou o estatuto, deputado Carlos Santana, o relator do projeto, deputado Antonio Roberto, e o ministro da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Edson Santos.

Cumprimento ainda o deputado Onyx Lorenzoni que, apesar de termos divergido muito, também teve papel fundamental para a redação final da matéria.

Senhor presidente,

Como dizia meu amigo Leonel Brizola, o texto aprovado foi o texto possível.

Claro que quando concebi a matéria a pensei de uma forma que considerava ideal, porém, nem sempre o que consideramos ideal é aquilo que a maioria das pessoas irá aceitar.

Faz parte do processo de crescimento ceder. E é assim que ganhamos.

E se nos perguntarmos QUAL ESTATUTO É MELHOR? O APROVADO NO SENADO OU O APROVADO NA CÂMARA DOS DEPUTADOS?

Foram documentos apresentados em momentos diferentes. Podemos acrescentar à pergunta o primeiro Estatuto apresentado em 2000, na Câmara dos Deputados, que reapresentei no Senado Federal em 2003...

... Durante todo o processo, reafirmo que a participação do movimento em diálogo com os parlamentares foi essencial para a condução do processo, que ainda não encerrou. Nós estamos em um espaço de debate e ouvir a sociedade, antes da aprovação dos projetos é a tarefa cotidiana do parlamentar.

O diálogo na Câmara foi para garantir as diretrizes do Estatuto da Igualdade Racial e avançar com a matéria, ao chegar no Senado Federal, como casa revisora teremos mais uma oportunidade de ouvir os movimentos e a sociedade.

Senhor Presidente,

Vamos falar um pouco sobre os Pontos do Substitutivo ao ESTATUTO DA IGUALDADE RACIAL:

DAS DISPOSIÇÕES PRELIMINARES:

Apresenta conceitos para a efetivação da igualdade de oportunidades e o combate a discriminação. Tais como: discriminação racial; desigualdade racial; desigualdade de gênero e raça; população negra; políticas públicas e ações afirmativas.

E, aponta os caminhos para a efetiva participação da comunidade negra nas atividades políticas, econômicas, empresariais, educacionais, culturais, esportivas, bem como no lazer,...

... na saúde, no trabalho, nos meios de comunicação de massa, na moradia, no acesso a terra, na segurança, no acesso a Justiça, em financiamentos públicos e outras por meio de:...

... inclusão da dimensão racial, adoção de medidas, programas e políticas de ação afirmativa; enfrentamento e a superação das desigualdades raciais; estímulo, apoio e fortalecimento de iniciativas oriundas da sociedade civil direcionadas à promoção da igualdade de oportunidades e ao combate as desigualdades raciais;

Nos Capítulos específicos podemos destacar:

SAÚDE

- a proposta fixa as diretrizes da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, como por exemplo a melhoria da qualidade dos sistemas de informação do Sistema Único de Saúde no que tange à coleta, processamento e análise dos dados desagregados por raça, cor, etnia e gênero;

- a inclusão do conteúdo da saúde da população negra nos processos de formação e educação permanente dos trabalhadores da saúde;

- o diagnóstico precoce e a atenção integral às pessoas com doença falciforme e outras hemoglobinopatias;

DO DIREITO À EDUCAÇÃO, À CULTURA, AO ESPORTE E AO LAZER

DA EDUCAÇÃO

- Ensino: é obrigatório o estudo da história geral da África e da história da população negra no Brasil, no ensino fundamental e médio, público e privado

- incentivo a pesquisas e a programas de estudo voltados para temas referentes às relações raciais, quilombos e questões pertinentes à população negra.

- o apoio a grupos, núcleos e centros de pesquisa, nos diversos programas de pós-graduação, que desenvolvam temáticas de interesse da população negra;

- programas de extensão universitária destinados a aproximar jovens negros de tecnologias avançadas

- incluir alunos negros nos seus programas de mestrado, doutorado e pós-doutorado.

DO SISTEMA DE COTAS NA EDUCAÇÃO

- Resguarda o princípio das ações afirmativas nas universidades, respeitando as múltiplas iniciativas existentes nas instituições de ensino superior no Brasil, para incluir a população negra.

- Também existe no Senado o PLC 180/2008 que trata das cotas raciais nas instituições de ensino superior.

DA CULTURA

- O reconhecimento das sociedades negras, clubes e outras formas de manifestação coletiva da população negra, com trajetória histórica comprovada, como patrimônio histórico e cultural.

- É assegurado aos remanescentes das comunidades dos quilombos, o direito à preservação de seus usos, costumes, tradições e manifestos religiosos sob a proteção do Estado.

- reconhecimento á trajetória do samba e de outras manifestações culturais de matriz africana e incentivo a sua comemoração nas instituições de ensino públicas e privadas.

DO ESPORTE E LAZER

- A capoeira é reconhecida como desporto de criação nacional nos termos do art. 217 da Constituição.

DO DIREITO À LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA E DE CRENÇA E AO LIVRE EXERCÍCIO DOS CULTOS RELIGIOSOS

- prevê o livre exercício dos cultos religiosos de origem africana, prevendo inclusive assistência religiosa aos seus seguidores em hospitais.

DO ACESSO A TERRA

- os programas de moradia do governo federal deverão assegurar tratamento equitativo à população negra, assim como os bancos públicos e privados que atuam em financiamento habitacional.

- o acesso da população negra a terra e as atividades produtivas no campo.

- viabilizar e ampliar o seu acesso ao financiamento agrícola.

- a assistência técnica rural, a simplificação do acesso ao crédito agrícola e o fortalecimento da infra-estrutura de logística para a comercialização da produção.

DO TRABALHO

- criar ações que assegurem a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho para a população negra, inclusive contratações do setor público e o incentivo a adoção de medidas similares nas empresas e organizações privadas.

- financiamento para a constituição e ampliação de pequenas e médias empresas e de programas de geração de renda, contemplarão o estímulo à promoção de empresários negros.

- a concessão de incentivos fiscais às empresas com mais de vinte empregados que mantenham uma cota de, no mínimo, vinte por cento de trabalhadores negros.

DOS MEIOS DE COMUNICAÇâo

- A produção veiculada pelos órgãos de comunicação valorizará a herança cultural e a participação da população negra na história do país.

- Na produção de filmes e programas destinados à veiculação pelas emissoras de televisão e em salas cinematográficas, deverá ser adotada a prática de conferir oportunidades de emprego para atores, figurantes e técnicos negros, sendo vedada toda e qualquer discriminação de natureza política, ideológica, racial e artística.

Parágrafo único. A exigência do caput não se aplica aos filmes e programas que abordem especificidades de grupos étnicos raciais determinados.

SISTEMA NACIONAL DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL - SINAPIR

- o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial - SINAPIR como forma de organização e articulação voltada à implementação do conjunto de políticas e serviços destinados a superar as iniqüidades raciais existentes no País, prestadas pelo Poder Público Federal, mediante adesão

DAS OUVIDORIAS PERMANENTES E DO ACESSO À JUSTIÇA E À SEGURANÇA

- Ouvidorias Permanentes em Defesa da Igualdade Racial;

- medidas especiais para coibir a violência policial incidente sobre a população negra.

DO FINANCIAMENTO DAS INICIATIVAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL

- os planos plurianuais (PPAs) e os orçamentos da União deverão prever recursos para a implementação dos programas de ação afirmativa nas áreas de educação, cultura, esporte e lazer, trabalho, meios de comunicação de massa, moradia, acesso a terra, segurança, acesso a Justiça, financiamentos públicos e contratação pública de serviços e obras.

- poderão ser consignados nos orçamentos fiscal e da seguridade social para financiamento das ações.

DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

Discriminação - a proposta acrescenta à Lei 7.716/89, sobre discriminação racial, o crime de expor, na internet ou em qualquer rede pública de computadores, informações ou mensagens que induzam ou incitem a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. A pena prevista é reclusão de um a três anos e multa.

Cotas partidos políticos - cada partido ou coligação deverá reservar o mínimo de dez por cento para candidaturas de representantes da população negra.

- conceito de afro-brasileiro - agora temos o conceito de negros, conforme o IBGE.

Bem, Senhoras e Senhores, essas são as considerações que eu gostaria de fazer sobre o substitutivo.

Sempre soubemos que o tema sofreria muitas resistências, principalmente no que dissesse respeito a pontos específicos.

De qualquer forma, concordo com o presidente da comissão, deputado Carlos Santana: a aprovação do estatuto é o reconhecimento da condição desigual da população negra.

Também concordo com o ministro Edson quando ele ressalta a Educação como uma das molas propulsoras para a inclusão da população negra nas esferas mais elevadas da sociedade.

Cada um dos brasileiros precisa saber um pouco mais sobre a verdadeira história passada e atual do povo brasileiro.

É somente assim, sabendo sobre seus antepassados e convivendo com toda a diversidade que forma o Brasil que teremos um país de fato igualitário.

Vemos esse passo como uma grande vitória da população negra e de todos aqueles homens e mulheres que lutam por um país mais justo e mais humano.

Senhor Presidente,

Quero, de forma carinhosa e respeitosa, dedicar esse pronunciamento ao Relator do Projeto, deputado Antônio Roberto.

Ele foi um gigante nas discussões, nas articulações relativas ao projeto. Eu sei que ele queria que o projeto fosse aprovado como saiu do Senado, mas ele teve que ceder.

Ratifico meus cumprimentos a esse homem combativo, guerreiro, dedicado e sei que um dia a história fará justiça a ele, pois sei o quanto ele lutou.

E vejam só, ele é branco. Isso demonstra que essa é uma luta de todos nós, negros, brancos, índios, orientais. É uma luta de toda a sociedade brasileira.

Era o que tinha a dizer.