Helio Ventura

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Helio Ventura, Cientista Social e Músico

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Do “antirracismo racista” ao “antirracismo coxinha”


Por Marcio André dos Santos
Professor de Ciência Política da Universidade Federal do Piauí




       Desde as manifestações populares de junho de 2013 o termo “militante coxinha” ganhou as redes sociais para designar pessoas que tomavam as ruas para protestar contra as trambicagens governamentais ou qualquer outra coisa, sem nenhum direcionamento político-ideológico bem definido (esquerda? direita? centro?). “Coxinha” tornou-se então a tradução de um novo sujeito político, sobretudo jovens estudantes universitários que gritavam palavras de ordem mais por influência e mando de alguém (líderes partidários, canais de televisão, personalidades midiáticas) do que por convicção política propriamente falando.

      Repercutiu mundialmente mais um caso de racismo no futebol europeu com um jogador brasileiro. Um torcedor jogou uma banana na direção de Daniel Alves que, imediata e ironicamente, comeu-a e logo depois lançou a bola. Ninguém faria melhor, certamente. Pessoalmente vi a atitude do jogador como uma ótima resposta ao racismo recorrente nos gramados europeus. Tem momentos em que tratar atos racistas com ironia e bom humor inteligente é mais eficaz do que sair de campo batendo os pés. Problemático ocorreu em seguida quando Neymar foi fotografado por uma agência publicitária (malandramente a espera de um bom gancho midiático) ao lado do filho comendo uma banana. Como sabido, o craque tem feito declarações a imprensa nacional e internacional de que esse negócio de ser negro não é com ele e, logo, nunca sofreu (sofrerá?) racismo na Europa. Tudo bem, a adesão a ironia inaugurada por Daniel Alves poderia significar uma mudança de postura do craque quanto ao racismo... Tenho lá minhas dúvidas.

        Para piorar de vez a situação o casal global Luciana Huck e Angélica resolveram postar uma foto nas redes sociais com uma banana na mão, aludindo adesão a “campanha” contra o racismo. Estratégia de marketing melhor é difícil imaginar. Na véspera da Copa do Mundo um dos casais mais ricos da televisão brasileira – e quem fala em televisão brasileira fala de propagação massiva do imaginário racista – resolvem protagonizar uma campanha antirracista de última hora. O preço? Setenta reais cada camisa com estampas de uma banana e a frase “somos todos macacos” em fotos bem tiradas de modelos brancos(as). 





          Será que nossos queridos apresentadores acordaram em uma bela manhã depois de assistir no Bom Dia Brasil e ver o episódio com Daniel Alves e pensaram: “que tal lutar contra o racismo a partir de agora hein? Vai que a gente ganha uma grana?” E ai deixaram vir à tona, do fundinho do inconsciente, uma das pérolas do imaginário social brasileiro no que se refere a questão racial: a ideia de que somos todos iguais e de que por aqui ninguém é racista. “Somos todos macacos” e “somos todos iguais” não tem o mesmo sentido como parece afirmar a campanha. Macacos não são humanos ainda que partilhemos mais de 90% de carga genética (perdoem aqui a obviedade). Além do mais, “assumir as dores” de uma hora para outra de quem cotidianamente de fato sofre com o racismo não me parece um ato de solidariedade e sim de oportunismo barato de quem deseja esvaziar a luta antirracista. O “antirracismo coxinha” tem essa peculiaridade: não apoia nenhuma ação de organizações do movimento negro, tampouco empresta tempo de televisão para defender políticas de ação afirmativa, mas faz questão de transformar em dinheiro qualquer brecha que se dê quando os holofotes apontam para problemas como esse.

         O “antirracismo coxinha” é uma nova versão da velha branquitude brasileira, lugar de privilégios raciais e consequentemente sociais e econômicos que não precisa e nem pode revelar-se enquanto tal. É um tipo de antirracismo feito sob medida para os famosos posarem de moderninhos e conscientes dos problemas que assolam a sociedade brasileira. No dia a dia tiram proveito como podem de estruturas institucionais que beneficiam seu grupo racial. Logo logo isso vai cansar e um novo filão midiático surgirá no horizonte dos oportunistas de plantão. Quem sabe depois disso o antirracismo dos indignados e rebeldes seja levado a sério novamente?

http://afrolatinidade.blogspot.com.br/2014/05/do-antirracismo-racista-ao-antirracismo.html