Helio Ventura

Helio Ventura
Helio Ventura, Cientista Social e Músico

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Niver de Helio Ventura

Nesta segunda-feira, dia 13, fiz aniversário. Quem estiver disposto e achar que o amigo vale a moral, pode me dar um abraço nesta sexta-feira, dia 17, a partir das 19h, no Recantu's Drinks Bar, onde toco todas as sextas. Qualquer coisa me liguem.
Afroabraços,
Helio Ventura - 9193-1094

Moção de Repúdio Publicada em 26 de março de 2004


Moção de Repúdio

Publicada em 26 de março de 2004

É com extrema indignação que nos manifestamos contra o blog "EU ODEIO A SOLANGE". O conteúdo das mensagens é explicitamente racista e ofende profundamente as pessoas negras e não-negras que têm um mínimo de respeito em relação ao pertencimento racial de quem quer que seja. Os quatro criadores do blog (que covardemente se escondem sob nicks, como Xóia, o mais virulento deles) degradam a imagem da frentista Solange, participante da quarta edição do reality show Big Brother Brasil, exibido pela Rede Globo.

Estamos cientes de viver em um país que secularmente se caracteriza por um racismo visceral contra pessoas negras e de que toda a história dos descendentes de africanos no Brasil tem sido de luta e resistência contra todo tipo de prática racista.

Os responsáveis pelo blog em questão expõem abertamente toda forma de preconceito racial contra Solange, que já havia sido injuriada no próprio programa por outra participante. Afirmam que ela tem o "cabelo ruim", que é intelectualmente inferior, que é esteticamente fora do "normal", etc., e o fazem sempre referindo-se a sua condição de mulher negra, expressando assim uma visão estereotipada e estigmatizada que possuem a respeito das mulheres negras de modo geral.

O impacto na auto-estima e auto-imagem que tais referências poderão e podem provocar nas crianças, pré-adolescentes e adolescentes negras e negros é inimaginável. Os danos psíquicos de curto e médio prazo poderão ser devastadores. Para se ter uma idéia, a capa do blog traz Solange humilhada em uma das cenas do BBB4 ao lado de um macaco, inegável associação feita entre pessoas de pele negra e o animal. Em outro momento, se faz uma referência ao cabelo da frentista como sendo parecido com uma esponja de aço, ASSOLANge, parodiando a marca desse produto.

Vários estudos sócio-psicológicos e mesmo nossas experiências como negras e negros em uma sociedade racista como a brasileira comprovam os males causados por imagens que têm o intuito de infamar o pertencimento racial negro, variando da depressão ao suicídio. Supondo que os autores do blog sejam pessoas minimamente informadas em relação às leis vigentes no país, logo sabem que o racismo é crime inafiançável. Por esta razão, é necessário que sejam acionados os mecanismos jurídicos competentes para que possamos dar início ao combate a mais este episódio de racismo.

Não há palavra que se seja capaz de expressar a dor da humilhação racial, do sofrimento causado pelo racismo. Todos temos limitações e virtudes, e nenhum destes elementos podem ser justificados de uma perspectiva racializada. Ser negro, indígena, branco, judeu, árabe, etc., não pode ser visto adjetivamente. Todos são seres humanos com suas características próprias. E é por isso que condenamos veementemente toda a prática e difusão racista. Quem pratica o racismo deve ser devidamente punido por isto, de acordo com os termos da lei.

Por fim, conclamamos a todos - especialmente nossos companheiros e companheiras da área de Direito - que se mobilizem em mais uma batalha contra a infâmia. Nossas crianças e adolescentes não merecem e jamais merecerão isto!


Marcio André & Helio Ventura

http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2004/03/276387.shtml






PONTO DE VISTA - DOIS ANOS DE POLÍTICAS DE COTAS NA UERJ: “BALANÇO DO BALANÇO”

PONTO DE VISTA
DOIS ANOS DE POLÍTICAS DE COTAS NA UERJ: “BALANÇO DO BALANÇO”

Por Helio Ventura*
Novembro de 2004
Ocorreu na Capela Ecumênica da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), entre os dias 25 e 27 de outubro de 2004, o evento “Dois anos de Políticas de Cotas: balanço e perspectivas”, realizado pelo Programa Políticas da Cor na Educação Brasileira (PPCor) do Laboratório de Políticas Públicas (LPP) da UERJ. Na ocasião, ocorreu o lançamento do “Mapa da Cor no Ensino Superior”, estudo do pesquisador José Luis Petruccelli baseado no Censo 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Não por acaso, resolvi fazer um “balanço do balanço” que esse evento se propôs a fazer. O evento me marcou por alguns acontecimentos e constatações. O primeiro deles descrevo a seguir: a Reitora da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Ivete Sacramento, que compunha a segunda Mesa de Abertura do evento, apresentava a experiência da implementação da política de cotas na UNEB, demonstrando dados, números e situação concreta dos alunos atendidos pela medida. O ponto alto de sua fala foi quando ela indagou ao Reitor da UERJ, Nival Nunes de Almeida, também à Mesa, qual o número de alunos negros e de cotistas que a UERJ atendia, deixando-o ruborizado e extremamente constrangido diante do questionamento que não soube responder.
Este episódio já dava a tônica do que seria o evento. Um reitor ruborizado e constrangido por não saber o número de alunos cotistas atendidos na universidade a qual está a frente é, no mínimo, motivo de preocupação. O Reitor mostrou que não foi dada, da parte da UERJ, a devida importância ao assunto – ou que foi incompetente ao tratá-lo – a ponto de nem mesmo se preparar para um evento onde se esperava que a Reitoria, ou mais precisamente a Sub-Reitoria de Graduação transmitisse dados concretos elaborados a partir do suposto acompanhamento feito pela universidade aos alunos cotistas – como o que foi satisfatoriamente apresentado pelo Vice-Reitor da Universidade de Brasília (UnB), Timothy Martin Mulholland. Em um evento que se propunha, ao menos no título, fazer um balanço de dois anos de cotas na UERJ, um reitor não estar de posse destes dados é inadmissível. Os coordenadores do PPCor, Pablo Gentili, e do Projeto Espaços Afirmados, Fátima Lobato, também revelaram desconhecer estes dados.
Também foram inadmissíveis e frustrantes algumas ausências. Não foram “lembrados” vários atores importantes que protagonizaram a construção e a discussão de todo processo que acabou por desaguar na política de cotas em universidades. A primeira ausência foi a do Movimento Negro, que ao longo das décadas tem, entre outras coisas, pautado a necessidade de ações afirmativas para a constituição de uma sociedade mais justa e com menos disparidades. Os militantes que compunham as Mesas lá estavam para representar suas instituições acadêmicas ou governamentais, e não enquanto militantes. Portanto, o Movimento Negro e suas determinantes contribuições não tiveram espaço no evento.
Outra ausência sentida foi a dos vários movimentos que trabalham com cursos pré-vestibulares populares (PVP's), que atentam especificamente para a questão da democratização do acesso à universidade, alguns há mais de 10 anos, como é o caso do PVNC – Pré-Vestibular para Negros e Carentes, que atua desde 1993 no estado do Rio de Janeiro. A ONG Educafro, único PVP que teve espaço no evento, sendo inclusive condecorado, não representa a variedade de anseios do conjunto de PVP's existentes, dos quais difere até mesmo por sua própria estrutura organizacional. Outros PVP's independentes, sem estarem articulados em rede, também têm contribuições relevantes a dar.
Ainda no tocante aos PVP's, percebendo tardiamente a lacuna que havia deixado, o PPCor convidou de última hora o PVNC – movimento do qual um dos coordenadores do PPCor é oriundo – para compor uma das Mesas do evento, o que não foi aceito pelo movimento.
O que falar da ausência dos cotistas? Como não ouvi-los quando se propõe avaliar as cotas? Aliás, esta já é uma prática comum da Sub-Reitoria de Graduação da UERJ, que já divulgou uma suposta pesquisa, conduzida por uma metodologia no mínimo curiosa, onde os alunos da universidade, cotistas ou não, foram tratados como números apenas, sem se fazer uma real análise sócio-econômica e de desempenho acadêmico destes alunos, sem se atentar para questões intrínsecas aos avaliados.
Quando me refiro a ouvir os cotistas não é apenas colocar um cotista aleatoriamente como debatedor em uma das Mesas – aliás, com um fardo pesado por demais para carregar, pois ficou subentendido que ele representava todos os cotistas, e um erro ou deslize refletiria em todos eles indistintamente. Por coincidência, este aluno cotista é meu amigo e solicitou-me indicação de leitura para se preparar e não cair na “arapuca armada”. Avalio que este aluno cotista foi posto ali como forma de legitimação por parte dos organizadores do evento, assim como também é por pura legitimação o PPCor ter um coordenador negro em um programa que é sabidamente gerido por brancos. Coroando o descaso com quem deveria ser o destaque no evento, colocaram, também de última hora, uma aluna cotista do 2º período de Direito para “tampar buraco” enquanto Ricardo Henriques, da Secretaria Extraordinária de Erradicação do Analfabetismo, não chegava.
Por fim, os vários movimentos e coletivos estudantis foram ignorados. Os estudantes pertencentes a estes movimentos demonstram possuir um acúmulo de discussão sobre o assunto e sempre se posicionam criticamente, principalmente os que são sensíveis ao tema e atuam no espaço da própria UERJ, como é o caso da Comissão de Alunos Cotistas e do Coletivo de Estudantes Negros do Rio de Janeiro. Este último, durante realização de um ato público em junho de 2004, que culminou com uma ocupação à Reitoria da UERJ, já esteve em reunião com a Sub-Reitora de Graduação Raquel Villardi, onde se questionou a metodologia utilizada na pesquisa de avaliação dos alunos cotistas da UERJ, o propósito para o qual ela foi utilizada e a forma como foi divulgada. Nesta reunião, Raquel Villardi disse que “não havia dado informação alguma para que a imprensa divulgasse, e não podia controlar o que a imprensa publica”. Pressionada pelos estudantes, ela assumiu o compromisso de fazer um pronunciamento público para explicar o episódio, o que não foi cumprido. Mesmo se o fizesse, seria por instrumentos de comunicação internos da universidade, sem o mesmo alcance que a grande mídia possui.
Nem mesmo os Centros Acadêmicos (CA's) e o Diretório Central dos Estudantes (DCE) foram considerados, base que constitui a União Estadual dos Estudantes (UEE) e a União Nacional dos Estudantes (UNE) que, aliás, sempre se posicionaram contra as cotas para negros. Gustavo Petta, presidente da UNE, oportunamente colocou-se favorável à medida, com o intuito de estabelecer uma repentina e agora interessante aproximação com o Movimento Negro Estudantil.
O Projeto Espaços Afirmados (ESAF), uma exceção no que se refere ao apoio à permanência dos cotistas da UERJ, não teve seu contrato renovado com a Fundação Ford, que financia o PPCor, e será extinto, como tentou despistar Fátima Lobato, uma das coordenadoras do projeto.
Para finalizar, não posso deixar de citar duas demonstrações de preconceito e racismo por parte de representantes da UERJ. Primeiro, Márcia Souto Maior, do PROINICIAR/SR1/UERJ – outro projeto voltado para os cotistas – se referiu preconceituosamente aos cotistas como sendo, palavras dela, “sem cultura”, “sem educação” e “sem saber falar direito”. Depois, o Reitor Nival Nunes de Almeida fez óbvia menção à classe social de um militante do Coletivo de Estudantes Negros que havia feito uma provocação à Mesa e necessitou se ausentar em seguida. Absurdamente preconceituoso e racista, presumindo a partir da cor da pele do estudante, em tom irônico ele disse que o estudante provavelmente teve de se ausentar por suas condições precárias de transporte para voltar para casa. Ou seja, o que deveria ser motivo de aflição por parte do Reitor, inspirando uma medida para solucionar a dificuldade constatada – o que não era o caso, pois este estudante mora na Rua São Francisco Xavier, onde se localiza a UERJ – ao contrário, ele demonstra descaso e zomba da situação.
No encerramento, era nítido que eu não estava no evento que havia me interessado por se propor a fazer um balanço e avaliar as perspectivas da implementação das políticas de cotas na UERJ. Se estivesse neste evento, ele teria sido um fracasso total. Na verdade, inconscientemente eu estava em outro evento que tinha um nome incompatível com o que propunha. Ele deveria se chamar “Dois anos de Políticas de Ação Afirmativa do LPP: balanço e perspectivas das atividades realizadas pelo PPCor”. Este foi o evento que realmente aconteceu, e muito bem feito, diga-se de passagem. Tão bem feito que percebi, ao final, que a UERJ “toma a lição” das outras universidades, mas deixa de fazer o seu próprio “dever de casa”.
* Helio Ventura é cientista social, membro do PVNC Núcleo PJ, Coletivo de Estudantes Negros RJ e assistente de projetos do CERIS.

“Algumas considerações acerca do novo estudo sobre o desempenho dos cotistas da UERJ” ou “Avaliando os cotistas da UERJ”

“Algumas considerações acerca do novo estudo sobre o desempenho dos cotistas da UERJ” ou “Avaliando os cotistas da UERJ”
Por Helio Ventura*
Julho de 2004
É curioso como, dependendo da situação e do interesse, as coisas podem ser direcionadas. Estou realmente intrigado com o que li nestes últimos dias. Tem circulado nos principais veículos de comunicação do país a informação de que uma pesquisa mostra que na UERJ há mais cotistas entre os alunos reprovados, ou seja, que o desempenho acadêmico dos estudantes que entraram pelo sistema de reserva de vagas para negros e estudantes oriundos da rede estatal de ensino foi inferior aos demais alunos no primeiro semestre de 2003. Isso contradiz outro estudo, realizado no ano passado, que mostrou, pelo contrário, que cotistas tiveram desempenho melhor do que não-cotistas quando se comparou a taxa de aprovação em todas as disciplinas cursadas.

Esta discrepância se deu pois o novo estudo, feito a partir do rendimento dos mesmos estudantes, comparou a taxa de reprovação por nota dos alunos.A diferença acontece porque o atual estudo, feito na gestão da reitoria que assumiu este ano a UERJ, "preferiu" trabalhar com a taxa de reprovação apenas por nota (alunos que não abandonaram as disciplinas que cursavam e que tiveram nota insuficiente para serem aprovados). A comparação, no entanto, não levou em conta os alunos que abandonaram a disciplina e, por isso, tiveram nota zero nas provas. Quando esse grupo é comparado, os dados são: 6,9% dos cotistas foram reprovados dessa maneira ante 13,7% de taxa entre os demais estudantes. Na comparação da média das notas, calculado pelo CR (Coeficiente de Rendimento), cotistas e demais alunos têm desempenhos parecidos. A Sub-Reitora de Graduação da UERJ defende que a melhor maneira de comparar a nota é analisando a taxa de reprovação, pois um aluno que abandonou uma disciplina por falta e ficou com CR zero pode ter desistido da aula. Considero isso uma manipulação de dados, numa tentativa deliberada de demérito à implantação de políticas de ação afirmativa e ao sistema de cotas em particular. Observemos que se as estratégias de permanência aos alunos cotistas, imprescindíveis para o amplo sucesso da medida de reserva de vagas, estivessem sendo realizadas pelo Estado, pela própria Universidade, ou ainda por uma atuação conjunta de ambos, o quadro certamente seria outro.

Primeiro, este estudo considerou - ao meu ver, de forma equivocada - que uma das principais causas de abandono das disciplinas pelos não-cotistas seria a incompatibilidade de horários. Como se pode notar, apenas um lado da questão foi abordado. Será que, por algum momento, chegaram a pensar que incompatibilidade de horários pode acometer também alunos cotistas? Que enquanto um não-cotista tem dificuldade de administrar seu horário por fazer cursos de línguas, informática, freqüentar academia, entre outras coisas, um aluno cotista tem dificuldade de se manter na universidade ao mesmo tempo que trabalha? E o cotista desempregado? Houve preocupação em saber como ele faz para se conduzir até a universidade? Seus gastos com xerox e alimentação? Isso sem falar que ele ainda precisa manter sua casa. E veja que isso está intrinsecamente ligado à não cobertura deste aluno por uma estratégia de permanência séria e comprometida. Estes fatores exercem efeitos tanto sobre os cotistas empregados – ou sub-empregados – quanto desempregados. Estes alunos necessitam despender mais tempo e energia para que se mantenham nas universidades. Se houvesse um trabalho como o que há uma década ocorre na Pontifícia Universidade Católica - RJ, que isenta em 100% os alunos oriundos de pré-vestibulares populares das mensalidades e fornece bolsa-auxílio, aí sim teríamos como comparar desempenhos de cotistas e não-cotistas.

Na PUC-RJ, estes alunos mantêm um rendimento superior aos demais alunos por contar com uma estrutura preparada para recepcioná-los. E o que impede que as universidades estatais façam o mesmo? Tentam a todo custo camuflar a incompetência e inoperância dos órgãos públicos e transferi-las para os cotistas, como se eles fossem os incapazes. Se a UERJ realmente estivesse preocupada em evitar distorções, utilizaria critérios mais justos inclusive no seu processo de avaliação dos requerimentos de isenção de taxa de inscrição do seu vestibular, onde não se avalia as reais condições sócio-econômicas dos candidatos. O que se faz necessário não são estudos com este caráter e para esta finalidade, mas se despir das demagogias e implementar ações que busquem realmente dissipar as desigualdades sociais e étnico-raciais.

*Helio Ventura é cientista social, militante do PVNC e do Coletivo de Estudantes Universitários Negros do Rio de Janeiro e é membro do Programa Ação Durban do CERIS.

Fundo de Apoio a Miniprojetos: a organização popular valorizando a diversidade em busca da inclusão social e da garantia de direitos

Novembro: mês da Consciência Negra
Fundo de Apoio a Miniprojetos: a organização popular valorizando a diversidade em busca da inclusão social e da garantia de direitos.

Por Helio Ventura*
Novembro de 2003
O Fundo de Apoio a Miniprojetos – FAM, que estará completando 25 anos de existência no ano de 2004, é um dos programas do Núcleo de Apoio às Iniciativas Comunitárias do CERIS – Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais, que visa contribuir com grupos informais e de base, movimentos populares e entidades representativas no seu processo de estruturação, formação e na busca de soluções para os problemas sociais, econômicos e políticos enfrentados no seu cotidiano, fortalecendo a autonomia destes grupos. Dentre as várias temáticas abordadas pelos projetos apoiados pelo FAM estão as questões étnico-raciais, dentro da linha de combate à exclusão e à discriminação. Aliás, há muito que o CERIS apóia a questão étnico-racial, mesmo antes de haver setores específicos para estas questões, haja visto que a centralidade de sua missão passa pela organização dos movimentos populares.
Principalmente após a III Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, realizada no ano de 2001 em Durban, na África do Sul, e concomitante à divulgação dos dados adquiridos no Censo 2000 do IBGE e de pesquisas do IPEA e DIEESE, obtivemos no Brasil um maior volume de discussões acerca de racismo e discriminação racial. O CERIS não se exime de se posicionar sobre tais questões e, além de ter realizado em parceria com a Ford Foundation o Concurso Nacional Ação Durban, no ano de 2002, o FAM tem apoiado vários grupos e entidades do movimento negro organizado em projetos que vão muito além da questão racial, mas que tangem políticas públicas de inclusão e valorização da diversidade, resguardando e garantindo direitos.
Projetos como “O Grito de Zumbi", realizado no ano de 2001 em Cuiabá – MT, que resultou em ação jurídica junto ao Ministério Público Federal e garantindo definitivamente a posse das terras de Mata Cavalo aos quilombolas da região. Também a “V Reunião Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas Brasileiras", na cidade de Registro – SP, e o “VII Encontro Raízes Negras", que ocorreu em Santarém – PA, ambos em 1999, trataram de questões referentes às comunidades quilombolas, diagnosticando a necessidade de se constituir uma associação das comunidades quilombolas para dar prosseguimento à luta pela titularização das terras e busca de subsídios para gerar alternativas de geração de emprego e renda nas comunidades.
Outro viés é a valorização e ostentação da cultura e arte negras, o que foi enfocado na “I Semana Zumbi dos Palmares", realizada na cidade de Caravelas – BA em 2001, promovendo a integração entre diferentes grupos e experiências culturais que ampliam iniciativas de auto-desenvolvimento social, cultural, político, e econômico local e regional, e envolvendo professores e alunos da rede municipal e estadual.
A educação foi o alvo da “Feira das Nações Africanas: reconstruindo a identidade e auto-estima do jovem negro", no ano de 2001 em Salvador – BA. Muito além do lúdico, serviu de espaço pedagógico para produção e expressão de jovens negras e negros, contribuindo para a desconstrução de concepções estereotipadas sobre o negro, construindo uma concepção positiva de negritude, e mostrando aos alunos e alunas como a comunidade negra resistiu ao racismo e à discriminação no Brasil. Também teve caráter formativo o “VI Encontro das Comunidades Negras da Diocese de Registro – SP", o qual proporcionou maiores conhecimentos sobre as origens históricas da discriminação racial no Brasil e como enfrentá-la.
Também há os projetos em que são abordadas as questões étnicas com o recorte de gênero, como vemos no "Fórum Estadual de Mulheres Negras" do Rio de Janeiro – RJ, em 2001, do qual resultou uma Plenária Estadual preparatória para a III Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, no que tange a observância dos direitos das mulheres.
A questão étnico-racial tem sido amplamente discutida pelas organizações populares em todo o território nacional, abordando os vários matizes e formulando propostas de combate ao racismo e à discriminação racial. Combate este simbolizado no vulto de Zumbi dos Palmares, ícone da luta pelo povo afro-brasileiro, lembrado e celebrado no dia 20 de novembro como representação de denúncia, protesto e resistência. Todos estes movimentos e entidades perpetuam com suas ações o espírito de luta de Zumbi, como exprime o refrão:

“Ei, Zumbi, Zumbi Ganga, meu rei.
Você não morreu, você está em mim!"

Nessa conjuntura, um dos pontos que mais tem gerado ebulição é o de implementação de ações afirmativas pelo viés da política de cotas para estudantes “negros e pardos" em algumas universidades estatais do país, com destaque para a Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. A polêmica gerada deixou vir à tona o quão falso é o mito da democracia racial, que as elites e classes mais abastadas consideram-se detentoras legítimas das vagas oferecidas nas universidades, repito, estatais – e não públicas, uma vez que os percentuais de seus freqüentadores não são expressão de nossa população, seja em relação à cor da pele ou à classe social –, dado o número de liminares contra o dispositivo, e o que a grande imprensa pode fazer, e geralmente o faz, para formar opiniões carregadas de juízos de valor dos segmentos dominantes da sociedade. Essa situação ocasionou o surgimento do Fórum Estadual Pró Ação Afirmativa para a Comunidade Negra, formado por entidades que se uniram em prol da defesa dos direitos dos estudantes[1] que ingressaram na UERJ via cotas, tanto para “negros e pardos" quanto para oriundos de escolas da rede estatal – estes direitos sim legítimos, uma vez que pretendem aproximar da realidade a representatividade da população[2] dentro das universidades.

*Helio Ventura é cientista social e integrante da equipe do FAM/CERIS.
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[1] Muitos dos estudantes beneficiados pelas cotas são oriundos do Pré Vestibular para Negros e Carentes – PVNC, que proporciona cursos comunitários alternativos desde 1993, principalmente na Baixada Fluminense.
[2] Ainda como desdobramento destas ações, no dia 17 de novembro, em plena Semana Nacional de Consciência Negra, será lançada por várias entidades, tendo a frente o Centro de Articulação de Populações Marginalizadas – CEAP, a campanha “Ação Afirmativa, Atitude Positiva", que entre outras ações concederá um selo a empresas, escolas e pessoas físicas que promovam ações afirmativas, além de valorizar e divulgar a cultura afro-brasileira.
CERIS - Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais
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“Respeitem meus cabelos, brancos!”

“Respeitem meus cabelos, brancos!”1

Por Helio Ventura*

15 de abril de 2009

"Se a Michelle Obama alisa seus cabelos crespos, porque não eu também?" Esta foi a chamada de uma postagem em um blog (http://belezasnegras.blogspot.com/2009/03/se-michelle-obama-alisa-seus-cabelos.html), que além de fotos da bela primeira-dama estadunidense, ainda tinha uma link para uma reportagem exibida em conhecido programa dominical noturno (em 08 de março de 2009), mostrando que a maior preocupação de beleza das mulheres negras é o cabelo, algo que já é sabido há muito (http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM978779-7823-MULHERES+FAZEM+MUTIRAO+DE+BELEZA,00.html).

Antes de mais nada, gostaria de dizer que cada um tem o direito de buscar o visual que melhor lhe agrade, inclusive referente aos cabelos. Mas precisamos refletir sobre o contexto de tudo. Vejamos: Michelle Obama é uma mulher estadunidense, onde o processo de afirmação e elevação da auto-estima do afro-americano ocorre há mais de 40 anos. Os afro-americanos têm orgulho de serem como são, não se negam (ao menos em sua maioria). Já no Brasil, somente há pouco, e sob polêmicos protestos, inicia-se este processo de afirmação, buscando a construção de uma identidade étnica negra positiva. Ainda hoje é comum vermos o negro e tudo que se refere a ele como inferior, ruim ou do mal (cor, aparência, cabelo, religiosidade...).

Onde quero chegar? Como disse de início, todos têm o direito de se sentir bem. Mas o que diferencia uma mulher negra brasileira de uma afro-americana? É que a afro-americana não alisa o cabelo por achar que o cabelo dela é ruim e feio, mas porque é apenas mais uma alternativa dentre uma gama de possibilidades dela se produzir. Então eu coloco aqui: o problema não é alisar o cabelo, mas achar que somente o cabelo alisado é bonito. Reflitamos, pois a ideologia do branqueamento universaliza um padrão de beleza europeu como o único, e acabamos perdendo a beleza das inúmeras possibilidades da diversidade.

1 Trecho de uma música de Chico Cezar.

* Helio Ventura é Cientista Social; ativista do Movimento PVNC - Pré-Vestibular para Negros e Carentes; membro do COMDEDINEPIR - Conselho Municipal de Defesa dos Direitos do Negro e Promoção da Igualdade Racial e Étnica de Duque de Caxias. Contatos: - (21) 9193-1094 / helioventura@gmail.com