Rede Record faz mais uma reportagem tendenciosa contra religiosidade afro-brasileira
Por Helio Ventura*
Na manhã de segunda-feira, dia 21 de dezembro, eu assistia a uma reportagem na Rede Record sobre o caso do menino de 2 anos que teve dezenas de agulhas inseridas em todo o corpo por seu padrasto, Roberto Carlos Magalhães Lopes, de 30 anos, e sua amante Angelina, em Ibotirama / BA. Assistia normalmente, quando percebi que havia algo a mais naquela reportagem que somente informar os telespectadores. Usando a expressão “magia negra”, a reportagem atribuía o fato a um ritual sugerido por uma Yalorixá (a reportagem se referiu a ela como “mãe-de-santo”). Maria Nascimento, conhecida como Bia, está à frente de uma Casa chamada Terreiro de Ogum. A reportagem tendenciosamente atribuiu a responsabilidade do ocorrido ao Orixá que dá nome á Casa. Segundo o padrasto do menino, “Senhor Ogum e Orixá ‘baixavam’ na mulher (Bia) e faziam isso (introduziam as agulhas no menino)”.
Destaco que foi dito na reportagem que eram imagens exclusivas de uma conversa informal com Roberto. Para quem sabe como agem muitos repórteres, dá para imaginar que ele deve ter sido induzido a frisar alguns termos em sua fala, como “Orixá” e “Senhor Ogum”. E mais: a reportagem desrespeitou e violou mais um terreiro, pois mesmo com Bia detida temporariamente na delegacia, filmaram no interior do terreiro, ao qual atribuíram os adjetivos de “escuro e sombrio”. Havia fixada em uma das paredes uma afiliação à Federação de Umbanda e Candomblé dos Cultos Afro-Brasileiros de Feira de Santana.
Somente depois de mais da metade da reportagem, foi colocada a parte em que Roberto diz que foi a amante quem introduziu as agulhas, quando o subconsciente já havia internalizado as primeiras informações, que culpava a Yalorixá Bia e o Orixá Ogum. Somente quando vi pela segunda vez a reportagem, na Internet, é que percebi que havia “entendido errado”, que Roberto não atribuiu toda a culpa à Bia e Ogum, o que mais uma vez evidenciou a tendenciosidade da reportagem, que fez com que eu e sabe lá quantos mais entendêssemos o que era de interesse da emissora. Então antes eu havia “entendido certo”, na perspectiva da emissora!
Na única vez que foi dada a chance da Yalorixá Bia falar, ela negou conhecer Roberto e a criança, e disse que eles jamais foram à sua Casa. Também tentou explicar que é uma benzedeira e que não faz “magia negra”. Já o delegado que cuida do caso disse que, em depoimento, Roberto confessou ter inserido ele mesmo as agulhas no menino. É contradição demais para uma reportagem só: na versão da emissora, foi a Yalorixá em ritual de “magia negra”; falando informalmente com a reportagem, sabe-se lá como e sem nenhum valor investigativo, Roberto disse ter sido “Senhor Ogum e Orixá”, e depois culpou a amante; já a versão oficial, informada pelo delegado que recolheu o depoimento de Roberto, diz que foi o próprio Roberto o autor. O advogado e Doutor em Psicologia, Jacob Goldberg, disse que os acusados não podem atribuir o fato a nenhuma questão religiosa, pois revela mais a má índole dos envolvidos, que ele definiu como “formação de quadrilha”, enfatizando que há quem se reúne para supostamente fazer louvores a Deus, mas que na verdade escondem uma tendência criminosa.
A produção da reportagem foi de Fabiano Falsi, Inês Salles e Ricardo Andreoni, e a edição de Claudia Dominguez e Fabio Harnbacher. Ela pode ser vista na íntegra no endereço http://noticias.r7.com/rio-e-cidades/noticias/menino-que-teve-agulhas-retiradas-do-corpo-esta-estavel-20091221.html
Reportagens como essas não podem ser veiculadas livremente sem que sejam minimamente chamadas à responsabilidade pela ética. Gostaria de ver a emissora respondendo por este ataque gratuito à religiosidade de matriz africana. Estou indignado.
*Helio Ventura é Cientista Social e músico (helioventura@gmail.com).
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