Helio Ventura

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Helio Ventura, Cientista Social e Músico

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

'Adelaide' e o racismo camuflado em riso


'Adelaide' e o racismo camuflado em riso

zorra adelaide racistaPor Marcio André dos Santos
O personagem de "Adelaide" não é uma novidade na dramaturgia brasileira. A construção de um personagem negro, do sexo feminino e que tem como pretensão fazer as pessoas rirem sem parar data de pelo menos 40 anos. O livro que inspirou o documentário A Negação do Brasil de Joel Zito narra e analisa a presença dos negros na televisão brasileira. Presença marcada pela subalternidade e preconceito racial.
Para quem nunca viu este personagem do programa Zorra Total da TV Globo, "Adelaide" é uma mulher negra, idosa e que entra no metrô pedindo esmolas e, consequentemente "importunando as pessoas". Além do reforço racista e sexista que o programa faz em torno das mulheres negras e de todos os negros por extensão, em alguns episódios "Adelaide" exala um cheiro ruim, ou pelo menos é isso que as cenas querem nos comunicar. Imagine você na sala de estar, com sua família, crianças e de repente aparece uma mulher negra, mal vestida e fedendo. Além do fedor, ela não tem os dentes da frente e parece absolutamente ridícula... Todos riem às alturas. É essa a intenção. O riso, magicamente, nos tira por uns instantes a capacidade de perceber o horror por trás de tais cenas.
Eu poderia gastar muitas linhas aqui descrevendo as dezenas de cenas pejorativas dessa personagem, mas quero me concentrar em outro ponto: qual a ideia básica que fundamenta esse personagem? O que lhe dá sentido? Qual a intenção de um núcleo de profissionais de mídia e comunicação ao construir, detalhe por detalhe, uma caricatura totalmente negativa de uma mulher negra, idosa e pobre?
Dizer que é o racismo talvez não seja suficiente. Sim, é racismo. Entretanto, é um tipo de racismo singularmente brasileiro especificamente produzido pelas mídias televisivas. Os especialistas que criaram tal personagem – as elites editoriais, como diria Muniz Sodré – reeditam um imaginário surgido a pelo menos duzentos anos atrás por literatos, jornalistas e políticos brancos e ancoram nas plásticas vias do humor o pior do sentimento antinegro.
Existem muitas formas de definir e abordar o racismo. Pode ser visto como um instrumento de manutenção de privilégios econômicos; pode ser visto como sentimento de superioridade ou então como mecanismo de preservação de lugares simbólicos, culturais e psicológicos de um grupo em relação a outro. Pode também ser a mistura de tudo isso e até mesmo um tipo antigo de desumanização. Por exemplo, o tráfico transatlântico de escravos tinha como pressuposto a transformação de negros em coisas, objetos, seres sem alma e transcendência. Bichos, em suma. Opera-se assim um processo completo de animalização que justifica toda e qualquer atrocidade.
"Adelaide" é uma representação contemporânea da desumanização negra que, no limite, assegura o privilégio da brancura, este artefato onipresente e multifacetado de poder. Privilégio que se manifesta imagética e ideologicamente e forja a realidade tal como querem que a vejamos: ora manifestando-se sutil aos nossos olhos, ora completamente brutal.
"Adelaine" é prova concreta de que o "mito da democracia racial" continua operando (secretamente?) no cerne dos aparelhos produtores de imagens e imaginário social. Faz-nos rir dos crimes mais chocantes de nossa história, em feixes coloridos de um sábado a noite.

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Sérgio Martins - A personagem Adelaide do Zorra Total não é humor é Racismo!

adelaidepor Sérgio Martins
Já faz um bom tempo que não me atenho em programas de televisão aberta ou fechada; tenho vivido um período de introspecção e mudança de hábitos,  utilizando  a internet para atualizar minhas informações diárias, abandonando o  hábito de assistir os telejornais.

Outra razão de perda de contato com os programas televisivos foi a rotina de trabalho que incluía aulas noturnas que se encerravam por volta das vinte e duas horas.

Apesar deste distanciamento costumo observar a tendência dos programas humorísticos, hoje com menos qualidade, mas ainda resistente nas grades das emissoras. Um traço comum perpassa todas as propostas humoristas, a condição periférica dos comediantes negros e negras. Bom, o que não é novidade em se tratando da composição dos interlocutores nos programas de televisivos que exibem uma sociedade imaginária composto de brancos e pessoas embranquecidas como se ta imagem corresponde-se ao real contexto da sociedade brasileira. A invisibilidade dos negras e negras nos meios de comunicações sociais é vexatória, denunciando a nítida falta de oportunidade e seleção discriminatória que os profissionais negros e negras estão sujeitos.
Isso se manifesta desde  a invenção do Pânico da TV, passando pelo consagrado modelo da Praça é Nossa ao Zorra Total.

Nós chamamos atenção, quando este sistema extremamente excludente, ainda lança a mão de artifícios cínicos para caricaturar um personagem negro, usando um ator branco pintado de negro para desenvolver uma paródia sobre os negros. A Adelaide do Zorra Total em termos de qualidade imaginária e humorística, se afasta e muito do famoso Azambuja, o malandro carioca e suas armações interpretado por Chico Anysio.

O personagem Adelaide do Zorra Total não é humor.

Trata-se de alguma coisa criada por mentes racistas que utiliza um conjunto de estereótipo historicamente construído pela sociedade brasileira para representar negros e negras. Isto fica claro no dialeto e nas interações sugeridas pelos quadros exibidos.
Um personagem feminino caótico,confuso em suas estórias familiares, tendo como contradição o acesso à tecnologia e sua condição de pobre e negro.
Tudo isto em um programa, onde raramente há participações de atores negros, e quando aparecem são atores históricos, tais como, Tony Tornado, Paulo Silvino, Milton Gonçalves, que participam de outros núcleos na emissora, sendo os demais meramente figurantes.
O que de lamentável é ainda nossa tolerância com tais abusos. Quando contestamos a música publicada pelo cantor humorista,hoje deputado Tiririca, quase toda sociedade se levantou para defender seu modelo centenário de racismo. Nós ganhamos, na justiça e na disputa na sociedade, porém eles sempre voltaram, e se não fizermos nada, tudo fica parecendo normal.
Entre nós, a liberdade de expressão assim como quaisquer esferas de liberdade está sujeitas ao crivo do respeito à dignidade humana.

Manter este valor em uma sociedade de origem escravocrata é um desafio permanente.
Manifeste sua indignação perante a emissora. 

Urubu Branco: O racismo explicito

maria sylviaPor Maria Sylvia Oliveira para o Portal Geledés
Meu sentimento é de completa indignação com o quadro "humorístico" do Zorra Total, programa veiculado pela Rede Globo, em horário nobre, no último sábado, dia 01/09. A citada emissora ultrapassou todos os limites do aceitável.
Desta vez, além da personagem Adelaide, representação da mulher negra de forma grotesca e estereotipada, que já vinha sendo apresentada no programa por um "humorista" que pinta o rosto de preto, a tal personagem traz sua filha uma mulher branca com o rosto pintado de preto, cujo personagem traz no peito uma faixa onde se lê "urubu branco". No quadro "humorístico", esta personagem, uma menina negra desdentada e feia, gostaria de participar de um concurso de beleza e foi instigada pela mãe a beijar a mão do branco (padrinho) pedir a benção, sendo que este lhe aconselhou a passar chapinha ou prancha nos cabelos para alisá-lo.
É impressionante o total desrespeito da emissora à criança negra, que já na primeira infância tem de conviver com o preconceito e discriminação: não se vendo representada nos programas de televisão (já que na programação de televisão só existem pessoas brancas, crianças loiras) e quando mostrada a criança negra é como delinquente ou de forma absolutamente estereotipada, como no programa citado.
Não será nenhuma surpresa se na segunda-feira as meninas negras forem chamadas de "urubu branco", na escola, sendo ridicularizadas por causa do programa. É lamentável que uma emissora de televisão que tem a pretensão de informar a população coloque no ar um programa com um quadro que desqualifique tanto a imagem já tão depreciada da população negra.
Infelizmente, ao que parece, a Rede Globo desconhece por completo a campanha da UNICEF, "POR UMA INFÂNCIA SEM RACISMO", cujo vídeo institucional é protagonizado pelo ator contratado desta mesma emissora, Lázaro Ramos.
Digamos não à programação da Rede Globo. Vamos procurar entretenimento televisivo de qualidade na TV Cultura ou qualquer outra emissora que nos trate, os negros, com um mínimo de respeito. Aprendamos a usar nosso poder na frente do aparelho de televisão, o poder de escolher, o poder de mudar o canal de televisão, o poder de usar nosso controle remoto.

Veja também: 

Ação contra ADELAIDE do Zorra Total

http://www.geledes.org.br/racismo-preconceito/racismo-no-brasil/15415-urubu-branco-o-racismo-explicito

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