Helio Ventura

Helio Ventura
Helio Ventura, Cientista Social e Músico

terça-feira, 17 de novembro de 2009

ABSURDO!!! Ataque, humilhação e mensagem subliminar em plena Semana de Consciência Negra!!!





Reproduzo abaixo as excelentes reflexões sobre a humilhante cena que subliminarmente mais uma vez ataca todas as pessoas negras em plena Semana de Consciência Negra. Só não fica indignado quem não consegue entender que por traz de tudo isso há muito mais que uma simples trama de novela, mas uma franca campanha promovida principalmente por Ali Kamel dentro da Globo contra toda uma luta anti-discriminação.

Afroabraços,

Helio Ventura




"Quando soube que Manoel Carlos colocaria uma Helena Negra na novela das 20h, fiquei muito feliz, mas por outro lado apreensiva. Pensei... Nossa! O que está vindo por aí? E tenho acompanhado a novela sempre que posso.

Primeiro, o autor condena Helena por ter feito um aborto, para continuar sua carreira. Algo que hoje não é novidade, muito pelo contrário, é natural. Grupos feministas lutam pelo direito ao aborto, e ele aborda como se a Helena fosse a primeira mulher a abortar.

Segundo, não dá espaço a família de Helena. Observem que o núcleo inteiro tem menos falas do que a personagem Dora e sua filha.

Terceiro, ele coloca Helena de mucama como babá de Luciana.
E hoje (espero que ele pare por aí), na semana da Consciência Negra, ele coloca uma atriz negra, do top de Taís Araújo, tomando uma bofetada na cara, de joelhos, pedindo perdão como na época da escravidão. Manoel Carlos quis relembrar os saudosos (para os brancos é claro!) tempos coloniais. E o mais importante: enviar uma mensagem subliminar ao nosso povo, que é o que a televisão brasileira faz o tempo todo.
Ele quis colocar a Taís e todos nós no lugar que os brancos querem que estejamos: no chão. Mas, estamos ocupando o nosso verdadeiro lugar e eles não têm mais como evitar.
Posso imaginar os brancos racistas vibrando com aquela bofetada.
Postem mensagens no site http://viveravida. webnode.com/ manoelcarlos/.. Fiquei feliz com as mensagens de indignação.

Com muito ódio e indignação,

Giselle Moraes"




Na semana da Consciência Negra???
 
Caros amigos e amigas,
Concordo com Giselle Moraes, que não tive o prazer de conhecer mas agradeço pela observação (email abaixo)  atenta das mensagens que a televisão brasileira passa em relação às questões raciais. Não sei(?!) qual o objetivo do autor Manoel Carlos com esta crucificação da personagem Helena, aliás nunca tinha visto uma Helena dele ser tão maltratada. Vera Fisher, Regina Duarte, Cristiane Torloni e  outras não foram Helenas tão humilhadas e rebaixadas assim, tá estranho...a suposta vilã vivida pela Lilian Cabral ( é este o nome? esqueci agora) está como a mãe sofredora e mártir lutando pela filha e lembrem-se que no início ela foi explicitamente racista em seus comentários sobre a personagem Helena e agora ela é a boazinha e vingadora da história. E a tal da Luciana, de menina mimada e mal-educada, rebelde, agora é a simpatia, aquela que está atravessando tudo com a maior dignidade e não vou estranhar se no final ela sair por cima ao ter o gesto grandioso de "perdoar" a Helena. Este mundo "Leblon/Bossa Nova" do Manoel Carlos está completamente colonialista, é só mudar o figurino e o cenário e podemos dizer que se passa no "Brasil Colonial" e não em uma cidade do século 21.
O rapaz, pai do sobrinho da Helena, que é negro também...tinha que ser bandido???? Detalhe: no hospital da novela não tem médico nem médica negros, as amigas da Helena são todas brancas, tem até asiática mas preta, nenhuma!
Além da Helena, Taís Araújo, e a família da personagem, não tem mais negros na novela? É isso mesmo?
Ah, tem o bandido que é negro...
Maria Júlia Ferreira




QUINTA-FEIRA, DEZEMBRO 10, 2009

A Helena Negra posta "no seu lugar".



Os dias de glamour da primeira Helena negra foram poucos. No capítulo de ontem, numa cena que fazia uma alusão direta à noção de soberania branca, a personagem negra se ajoelha aos pés da mulher branca e pede perdão. Após isso, dotada de toda autoridade, a "mãe branca e zelosa" dirige um violento tapa na cara na personagem negra que resignadamente aceita a punição.

A cena chocou diversas pessoas. No caso particular das mulheres negras, todas se recusaram a se reconhecer daquela forma e se revoltam contra aquela atitude submissa e passiva diante da violência racial. Aquela cena teve uma repercussão desastrosa em cada uma de nós. A postura submissa da Helena negra vai contra a forma como hoje, e sempre, reagimos à violência racial e ao autoritarismo, seja pelo amparo da lei, seja impondo respeito diante daquele ou daquela que insiste em rememorar os tempos da escravidão, cobrando de nós o eterno deferimento e subserviência. Assim, a trama da novela vai contra a política e debates atuais que visam a igualdade de direitos e a postura autônoma que praticamos no nosso cotidiano e ensinamos a nossas jovens e crianças negras.

A cena de ontem também vai contra os argumentos daqueles que se negam a admitir a existência do racismo no Brasil, que se afirma no imaginário do autor. O capítulo de ontem, por si só, fala da insistente crueldade da elite brasileira de negar o problema do racismo ao mesmo tempo em que, de maneira nefasta, não abre mão de se manter numa posição privilegiada. . A Helena negra é culpada por ter abortado, por ter casado com um homem branco e por não ter "cuidado" devidamente da enteada, numa relação que muito nos lembra mucama e sinhazinha. Não só Helena, mas também a personagem da atriz Sheron Menezes tem a mesmo postura submissa, que paga (literalmente) um alto preço para estar com um homem branco.

Ambas sucumbem diante da supremacia branca retratada na televisão brasileira, ambas não tem dignidade e não representam a luta cotidiana dos homens e mulheres negras que diariamente enfrentam o racismo neste país. Ao que me parece, é muito difícil para a dramaturgia brasileira esconder este ranço ordinário da mentalidade escravocrata e racista.

Luciana Brito
Mestre em História UNICAMP
Movimento Negro Unificado-Bahia"




SEXTA-FEIRA, 20 DE NOVEMBRO DE 2009


Tais de joelhos no horário nobre e semana da consciência negra





Terça-feira, 17/11/2009, 21:30, o telefone toca. Eu, irritada. Horário da novela. Meus amigos e amigas intelectuais não entendem meu vício! Atendo e tomo um susto: uma amiga do Rio que pouco me liga. Estranhei. Pensei logo em desgraça. Eu, olho vidrado na televisão vendo uma culpa absurda encarnada no personagem de Taís Araújo, e minha amiga dizendo:"Menina, viu que horror a cena da novela? Estava falando com A.. Que absurdo!". Eu só me limitei a dizer: "Querida C., Salvador não tem horário de verão. Estou vendo a cena agora. Ela vai se ajoelhar mesmo?. C. só se limitou a dizer: vai lá ver, vai lá ver...". Desligamos.

Cena típica de uma noveleira convicta. Sou daquelas que irritam os amigos quando, dependendo do capítulo, evito sair antes de a novela acabar. Daquelas que sempre promete que não irá acompanhar mais nenhuma novela, mas quando outra começa (na verdade, quase sempre a mesma novela com outra roupagem), acaba acompanhando. Daquelas que, mesmo irritada com o escritor (porque discuto muito com elas e eles), quase sempre, sigo vendo a novela.

Obviamente, aquele mundo não tem nada a ver com o meu, os valores e visões de mundo são, de uma maneira geral, deploráveis, mas gosto de estórias infindáveis e a novela é antes de tudo uma contação sem fim. Relaxo mesmo vendo os absurdos que desfilam na televisão brasileira, sobretudo os das Organizações Globo. Gosto de uns autores, desgosto de outros, mas só deixo de ver mesmo a novela muito mal construída. Agora, o que tenho sentido ao ver cenas de VIVER A VIDA de Manoel Carlos tem sido uma miscelânia de raiva e indignação.

De fato, as novelas desse senhor sempre me irritaram, com um mundo tão amplo quanto os limites do Leblon. Lamentável o cotidiano daquele bairro naturalizado como se fosse o único do Brasil. As empregadas negras, puxa-sacos dos patrões, chatas e, geralmente, gostosas nos seus micro-uniformes azuis, rosas ou salmões (nada contra micro-vestidos, pelo amor de Deus!). Aquela velha representação da preta doméstica boa de cama! A Zilda por exemplo , personagem de Laços de Família, feita pela linda Thalma de Freitas, tinha esse perfil deplorável e ainda gritava diariamente com uma voz de gasguita "Dona Heleeeena"!

Tudo bem que ele não é o único a construir essa típica representação na teledramaturgia brasileira, como bem já demonstrou Joel Zito no livro e documentário A negação do Brasil: o negro na telenovela brasileira. Porém, entre os autores de novela recentes, me parece ser o pior.

Por outro lado, ao construir uma protagonista negra, Maneco tem feito um grande favor a nós que vivemos e procuramos pensar sobre a desigualdade racial no Brasil. As tensões raciais em circulação no nosso país, ao invés de amenizadas, como bem desejaria o porta-voz do Leblon, têm sido marcadas pela super-exposição. Encenada como um grande avanço dramatúrgico, as cenas traem um Brasil inventado como racialmente harmônico, através de uma protagonista negra adestrada pelo embranquecimento. Tendo crescido em uma família negra de classe média, com pai músico, bon vivant e mãe ultra-conservadora, dona de pousada, a protagonista, porém, mostra-se carente de referenciais negros, cercada de amigos não-negros, com certeza, segundo a crença de Maneco, devido ao meio social em que vive.

A infelicidade da cena transmitida no início da semana do 20 de novembro revela índices de violência racial incessantemente (re)encenados na teledramaturgia brasileira. Pior agora, porque travestido na emoção de uma atriz vista como aquela que abre portas para o negro na televisão brasileira. Primeiro, ainda adolescente protagonizou a novela Chica da Silva; depois, foi a primeira protagonista negra da Globo em Da cor do pecado; agora, a primeira protagonista da produção mais cara da mesma emissora.



O pedido de desculpas de Tais Araújo/Helena, ajoelhada diante dos olhos claros de Lília Cabral/Tereza, representa um lugar - o da subserviência - obsessivamente ocupado por personagens e atores negros na televisão brasileira. A cena me pareceu a volta imaginária de tantas sinhazinhas, mucamas, mulheres escravizadas que desfilam nas telenovelas. No momento da cena, não dava para pensar só no enredo da novela e na tragédia vivida pela heroína negra de Maneco. A encarnação cristã da culpa fez a personagem dizer que prefiria ser ela a estar sem os movimentos das pernas e dos braços. O resultado por tamanha submissão (como sempre disse minha mãe: "quem muito se abaixa..."), foi uma bofetada na cara e o ódio da personagem cujas características físicas demonstram um lugar de domínio.

Agora, tão violento quanto a posição de Helena e o tapa recebido é o desolamento vivido pela personagem. A família, morando em Búzios, não se abala pelo drama vivido pela grande modelo internacional, com certeza o motivo de orgulho da família. Até mesmo a mãe de Helena, destoando das representações de mães-leoa de Maneco, limita-se a rezar para o santo de devoção e esperar a visita da filha em casa. Mesmo tendo familiares, a protagonista negra continua como outros personagens negros de telenovelas: sem família, desgarrados. A culpa encarnada por Helena também parece supervalorizada, já que, provavelmente, segundo o perfil da personagem, ela deve ter encarado barras pesadíssimas para se tornar a modelo brasileira de maior sucesso, segundo o texto da novela.

Enfim, uma seqüência de desastres narrativos têm construído uma das protagonistas mais inverossímeis da teledramaturgia brasileira. A única coisa boa nesse mar de inadequações é que nós, telespectadoras negras, podemos, a partir do desfile de atrocidades da novela, aprofundar uma reflexão sobre as danosas conseqüências do racismo em nossa sociedade.

A cena construída por Maneco para ser transmitida em plena semana da consciência negra me fez perder de vez a vontade de acompanhar a novela. Meus amigos intelectuais, durante os próximos 4, 5 meses talvez, poderão me ligar entre as nove e dez horas da noite à vontade!


A cena no You Tube:

http://www.youtube.com/watch?v=-f1bckBAfSE&feature=player_embedded


Quem quiser ler uma interessante reflexão sobre a mesma cena da novela, acessar A Globo e seu TOC (ou a remasterização obsessiva das representações desqualificantes).

http://brsoulsista.blogspot.com/2009/11/tais-de-joelhos-no-horario-nobre-e.html







quarta-feira, 18 de novembro de 2009


A Globo e seu TOC (ou a remasterização obsessiva das representações desqualificantes)


Em A negação do Brasil (documentário datado de 2000), Joel Zito de Araújo enfatiza, de maneira contundente, o espaço conferido ao negro pela televisão brasileira, ou seja, o lugar da inferioridade. Seja por meio das telenovelas ou minisséries, o que se vê ao longo do período que engloba a década de 60 até 90 é exatamente a “remasterização” das principais imagens difundidas ao longo de séculos pelo discurso colonial e seus principais tentáculos – religião, ciência, política.


Seja pelo signo da inferiorização moral e intelectual, passando pela retomada da violência simbólica e física que marcou o tratamento do corpo negro no contexto colonial, a denúncia fundamental do referido documentário reside no seguinte: o discurso da teledramaturgia pouco contribui para desvelar o racismo que marca as tensas relações sociais no Brasil. Ao contrário: a TV, por meio da articulação de especialistas da violência simbólica, retoma esquemas que remetem às estratégias de desqualificação do negro na sociedade brasileira (para ficarmos somente na estrutura dessa nossa sociedade que se pensa democrática).

Quando a questão racial, no contexto televisivo, se cruza com a de gênero, as representações desqualificantes se acentuam, afinal, argumenta-se que a mídia dialoga com o imaginário brasileiro. À mulher negra, no mais das vezes, é associado um sistema de estereotipias, sendo duas as principais imagens: a empregada doméstica submissa ou alcotiveira; a criatura excessivamente sexualizada, que não consegue ultrapassar a condição imposta pelo domínio exclusivo dos instintos. Em ambos os casos, o pêndulo televisivo oscila sob o peso do racismo, pois em nada se afasta da formação discursiva colonial.

Em tempos de ações afirmativas no Brasil, localizados num século ainda “cheirando a leite”, presenciamos mais uma investida num formato de telenovela que vem se consolidando no famigerado horário nobre. Ou seja, novamente a Rede Globo concede ao escritor Manoel Carlos um espaço de destaque em sua programação. Nesse sentido, elementos como a bossa nova, a paisagem carioca da zona sul ou do balneário de Búzios, o cotidiano da classe média (média alta) e, claro, a retomada do ícone da personagem “Helena” são fundamentais para a difusão de uma trama que, se acredita, “dialoga de maneira eficiente com a audiência”. A novidade, na atual telenovela “Viver a vida”, é o protagonismo negro associado à figura da Helena. Tem-se, então, a atriz Thais Araújo interpretando uma mulher que ocupa espaços elitizados, seja pela atividade profissional exercida (modelo internacional), seja pelo padrão de consumo que a sua condição proporciona e, como não poderia deixar de ser, o trânsito desenvolto que faz o Rio de Janeiro (da zona sul) aproximar-se de Paris (numa rapidez e simplicidade, como não poderia deixar de ser).

Associando-se a telenovela “Viver a Vida” ao conjunto de produções analisado por Joel Zito de Araújo, pode-se pensar que há um significativo avanço na forma de inserção do negro na TV. No entanto, violência subsumida no capitulo exibido hoje restaura a polêmica. A essa altura da trama, a Helena já está em sua “temporada no inferno”: sofre o drama psicológico da culpa associada ao trágico destino da sua colega de passarela (a personagem Luciana, representada por Alinne Moraes). Para representar esse sentimento, obviamente a produção investiu numa caracterização degradante da personagem, muito distante do glamour que marcou a sua aparição até então.

No entanto, o que chama a atenção é justamente a cena em que a personagem Helena, de joelhos diante de Tereza (Lilia Cabral), assume toda a responsabilidade pela desgraça familiar. A cena permite uma retomada da estrutura muito comum às ditas “novelas de época” que retratam a subserviência negra diretamente associada à autoridade de um mandatário que não poupa esforços para ratificar a segregação, o distanciamento, a assimetria das relações raciais. Desprovida de graça, e o pior, mergulhada num típico figurino da slave colection, Helena irmana-se com a legião de mucamas e afins que sofrem o peso da sujeição. Aqui inauguro ironicamente o termo slave colection para apontar uma forma previsível de caracterizar a presença negra na televisão, ou seja, representações que remetem à condição escrava (única possibilidade de se pensar essa presença negra).

O ápice da cena é o golpe (tapa) desferido no rosto da Helena. Golpe que não pode ser dissociado da frase que o acompanha: “isso é só o começo”. Não se deve esquecer que como mais uma personagem branqueada – distante da historicidade familiar e isolada do convívio com outros/as negros/as – Helena experimenta a assimilação cultural. No entanto, as próprias contribuições das Ciências Sociais apontam que essa assimilação na verdade é uma armadilha, pois não garante a devida valorização e a ocupação de espaços. Enquanto uma falácia compentente, a assimilação cultural gera o efeito da falsa inclusão, mas a mesma sociedade que a estimula lança mão de mecanismos que reafirmam a exclusão.

Por fim, o simbolismo dessa cena televisiva (ironicamente exibida na “semana da consciência negra”) comprova o caráter pontual da questao negra. E também como ainda se está distante de uma abordagem processual e séria da questão (sobretudo por parte da mídia), o que certamente indicaria avanço. Isso tudo comprova: a racialização ainda é um componente fundamental para se entender como se dão as relações sociais no Brasil (mesmo que enquanto conceito biológico raça – e suas diferenciações – signifique algo superado).



Daniela Galdino. Professora da Rede Estadual de Ensino, Professora Visitante da UNEB, Mestre em Literatura e Diversidade Cultural.

http://puluxia.blogspot.com/2009/11/globo-e-seu-toc-ou-remasterizacao.html

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