Helio Ventura

Helio Ventura
Helio Ventura, Cientista Social e Músico

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Flagrante: Manifesto Porta na Cara contra o racismo institucional nos bancos




http://www.youtube.com/watch?v=LQee_J0K4BY

To: Usuários do serviço bancário do Brasil

Se VOCÊ se sentiu alguma vez agredido ou desrespeitado ao tentar entrar na SUA agência bancária para movimentar a SUA conta, ou seja, SEU dinheiro, assine o MANIFESTO PORTA NA CARA pedindo a mudança da porta de segurança das agências para um sistema de RAIO X ou um equipamento de segurança que realmente mostre os pertences que estão sendo conduzidos pelo cliente. As atuais portas são travadas até por uma moeda e você depende da boa vontade do vigilante para destravar a porta e permitir sua entrada no banco. Vamos mudar essa situação e pedir aos bancos que renovem seus equipamentos. Eles podem investir num equipamento de segurança melhor, que implique em menos constrangimento aos seus próprios clientes e usuários.
O Circo Voador acredita que as pessoas devam ser tratadas com dignidade. Agora queremos saber a SUA opinião.

http://www.petitiononline.com/porta/petition.html


LEIA ARTIGO MEU ESCRITO EM 2007

Artigo publicado parcialmente no Jornal Griot em março de 2007.

Portas giratórias: detectores de metais ou de melanina?

Empresário negro é morto em agência do Banco Itaú no Rio de Janeiro

Por Helio Ventura

Rio de Janeiro, sexta-feira, 22 de dezembro de 2006, 13 horas e 20 minutos. O micro-empresário negro Jonas Eduardo Santos de Souza, 34 anos, estava na fila da agência do banco Itaú da Av. Rio Branco, da qual era cliente há 10 anos, para operações de rotina. Mas ele foi vítima do racismo que persiste em existir em nosso país, apesar de muitas vozes da elite e da intelectualidade negarem. Ele foi morto com um tiro no peito por Natalício de Souza Marins, 29 anos, vigilante da agência.

Ao tentar entrar na agência bancária, Jonas foi parado pela conhecida e constrangedora porta giratória. Ele foi abordado por Natalício e obrigado a pôr na bandeja todos os objetos que possuía. Como a porta continuava travando, Jonas foi obrigado a tirar inclusive o cinto. O gerente foi acionado por Natalício, e só autorizou o acesso do jovem micro-empresário à agência após exigir que Jonas provasse ser cliente da agência, mostrando um cartão do banco. Após o constrangimento, já dentro da agência, Jonas e Natalício continuaram a discutir, até que o vigilante, demonstrando total despreparo para o exercício da função, sacou seu revólver e matou Jonas, que não teve chance de defesa.

Natalício trabalhava há 3 anos no Grupo Protege, empresa de vigilância terceirizada pelo Banco Itaú S.A., e estava lotado há 5 meses na agência onde ocorreu o homicídio. Ele saiu da agência sem algemas e foi liberado após prestar depoimento na delegacia. Quando teve sua prisão preventiva decretada não foi mais encontrado. Semanas depois, ele se apresentou à Justiça e depôs no Fórum do Rio de Janeiro dia 16 de janeiro.

Em seu depoimento, chorando boa parte do tempo, Natalício disse que “a arma disparou”. Paulo Marinho, assessor do Banco Itaú, também atribui a morte de Jonas a “uma fatalidade”. Testemunhas, no entanto, descreveram o segurança como truculento e que já havia criado problemas com clientes, inclusive com o próprio Jonas, e que o fato seria de conhecimento da gerência. Ao contrário, Natalício disse que não conhecia Jonas. O juiz Luiz Noronha Dantas, do 2º Tribunal do Júri do Rio de Janeiro, indeferiu o pedido de revogação da prisão preventiva, além de configurar o caso como homicídio qualificado, ao invés de simples.

Dia 28 de dezembro houve uma grande manifestação em frente à agência onde ocorreu o crime. O Movimento Negro e o Sindicato dos Bancários apoiaram os familiares de Jonas. Também estiveram presentesno dia 16 de janeiro, no Fórum, durante o depoimento. Outro ato foi realizado dia 22 de janeiro, um mês após a morte de Jonas, fechando a agência do Itaú durante todo o dia e chamando a atenção dos que passavam pelo local. Foi criado o Fórum “Justiça por Jonas”, com reunião no Sindicato dos Bancários, e também uma comunidade no Orkut, feita pela própria família: “Justiça por Jonas”.

As empresas Itaú e Protege são as grandes responsáveis pelo que ocorreu no dia 22 de dezembro. Em depoimento, Natalício afirmou que o Grupo Protege não capacita adequadamente seus agentes. Ele teve apenas um dia de treinamento de defesa pessoal e 2 semanas de manuseamento de armas de fogo. E qual é a instrução dada pelo Banco Itaú S.A. aos vigilantes de suas agências? As portas giratórias são a melhor medida de segurança que os bancos podem adotar? Aeroportos, por exemplo, utilizam outros dispositivos de segurança muito mais eficientes, e as pessoas a eles submetidas estão menos propensas a uma exposição vexatória, como comumente acontece nas agências bancárias. As portas giratórias parecem detectar mais melanina que metais!

Este episódio nos leva a refletirmos sobre a situação da população negra em nosso país, principalmente em um estado como o Rio de Janeiro, onde os índices de violência crescem a cada dia. Vivemos numa sociedade racista, com uma política de Estado que tem por base manter as distâncias sociais entre brancos e negros, o racismo estrutural. Este racismo estrutural, que ainda hoje é negado, mas facilmente verificável, faz com que negros tenham oportunidades desiguais de inserção, mantendo uma sociedade de privilégios restritos a uma elite de base historicamente aristocrática. Também reproduz estereótipos voltados à população negra, que sempre são suspeitos a priori. As maiores vítimas da violência, seja a guerra do tráfico, seja a promovida por instrumentos do Estado, são os jovens negros.

Este racismo estrutural fez milhares de vítimas ao longo dos tempos, e fez mais vítimas neste episódio do Banco Itaú. O jovem Jonas, que teria toda uma vida pela frente, empreendedor, responsável pelos cuidados de sua mãe, enfim, uma referência aos seus familiares e amigos, teve sua vida bruscamente interrompida unicamente por ser negro, o que foi suficiente para que ele fosse visto como uma ameaça à segurança da agência bancária. Quantos de nós não poderíamos estar no lugar de Jonas, ou de sua família, chorando e lutando por justiça após a execução sumária de um ente querido sem motivos para tal? Assim como também poderíamos estar do outro lado, o de Natalício, também negro, um pai de família que teve suprimidas as oportunidades de acessar uma profissão que pudesse dar melhores condições à sua filha de 5 anos, que se viu obrigado a pleitear apenas funções que exigem menor qualificação, como a de vigilante. Ele também foi atingido pelo racismo estrutural que assola este país. Isso em nada muda o fato dele ter agido equivocadamente: é um homicida e deve receber as sanções legalmente previstas. E ser também negro não atenua o crime. Mas nos faz perguntar: que sistema é este que coloca dois semelhantes em lados opostos, fazendo com que um tire a vida do outro? Até quando fatos como este acontecerão? Percebemos o quão perverso é este “racismo à brasileira”, uma política de extermínio silenciosa, disfarçada de risco social e fatalidade.

Helio Ventura

A família vestiu camisetas com a foto de Jonas Eduardo para protestar contra o assassinato. Bancários e entidades do Movimento Negro participaram do protesto que marcou um mês do crime, chamando a atenção dos que passavam pelo local.

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