quarta-feira, 25 de novembro de 2009
terça-feira, 24 de novembro de 2009
Entrevista!!! Kabengele Munanga: "Nosso Racismo é um Crime perfeito"
O antropólogo Kabengele Munanga fala sobre o mito da democracia racial brasileira, a polêmica com Demétrio Magnoli e o papel da mídia e da educação no combate ao preconceito no país.
Por Camila Souza Ramos e Glauco Faria
Fórum - O senhor veio do antigo Zaire que, apesar de ter alguns pontos de contato com a cultura brasileira e a cultura do Congo, é um país bem diferente. O senhor sentiu, quando veio pra cá, a questão racial? Como foi essa mudança para o senhor?
Kabengele - Essas coisas não são tão abertas como a gente pensa. Cheguei aqui em 1975, diretamente para a USP, para fazer doutorado. Não se depara com o preconceito à primeira vista, logo que sai do aeroporto. Essas coisas vêm pouco a pouco, quando se começa a descobrir que você entra em alguns lugares e percebe que é único, que te olham e já sabem que não é daqui, que não é como “nossos negros”, é diferente. Poderia dizer que esse estranhamento é por ser estrangeiro, mas essa comparação na verdade é feita em relação aos negros da terra, que não entram em alguns lugares ou não entram de cabeça erguida.
Depois, com o tempo, na academia, fiz disciplinas em antropologia e alguns de meus professores eram especialistas na questão racial. Foi através da academia, da literatura, que comecei a descobrir que havia problemas no país. Uma das primeiras aulas que fiz foi em 1975, 1976, já era uma disciplina sobre a questão racial com meu orientador João Batista Borges Pereira. Depois, com o tempo, você vai entrar em algum lugar em que está sozinho e se pergunta: onde estão os outros? As pessoas olhavam mesmo, inclusive olhavam mais quando eu entrava com minha mulher e meus filhos. Porque é uma família inter-racial: a mulher branca, o homem negro, um filho negro e um filho mestiço. Em todos os lugares em que a gente entrava, era motivo de curiosidade. O pessoal tentava ser discreto, mas nem sempre escondia. Entrávamos em lugares onde geralmente os negros não entram.
A partir daí você começa a buscar uma explicação para saber o porquê e se aproxima da literatura e das aulas da universidade que falam da discriminação racial no Brasil, os trabalhos de Florestan Fernandes, do Otavio Ianni, do meu próprio orientador e de tantos outros que trabalharam com a questão. Mas o problema é que quando a pessoa é adulta sabe se defender, mas as crianças não. Tenho dois filhos que nasceram na Bélgica, dois no Congo e meu caçula é brasileiro. Quantas vezes, quando estavam sozinhos na rua, sem defesa, se depararam com a polícia?
Meus filhos estudaram em escola particular, Colégio Equipe, onde estudavam filhos de alguns colegas professores. Eu não ia buscá-los na escola, e quando saíam para tomar ônibus e voltar para casa com alguns colegas que eram brancos, eles eram os únicos a ser revistados. No entanto, a condição social era a mesma e estudavam no mesmo colégio. Por que só eles podiam ser suspeitos e revistados pela polícia? Essa situação eu não posso contar quantas vezes vi acontecer.
Lembro que meu filho mais velho, que hoje é ator, quando comprou o primeiro carro dele, não sei quantas vezes ele foi parado pela polícia. Sempre apontando a arma para ele para mostrar o documento. Ele foi instruído para não discutir e dizer que os documentos estão no porta-luvas, senão podem pensar que ele vai sacar uma arma. Na realidade, era suspeito de ser ladrão do próprio carro que ele comprou com o trabalho dele. Meus filhos até hoje não saem de casa para atravessar a rua sem documento. São adultos e criaram esse hábito, porque até você provar que não é ladrão... A geografia do seu corpo não indica isso.
Então, essa coisa de pensar que a diferença é simplesmente social, é claro que o social acompanha, mas e a geografia do corpo? Isso aqui também vai junto com o social, não tem como separar as duas coisas. Fui com o tempo respondendo à questão, por meio da vivência, com o cotidiano e as coisas que aprendi na universidade, depoimentos de pessoas da população negra, e entendi que a democracia racial é um mito. Existe realmente um racismo no Brasil, diferenciado daquele praticado na África do Sul durante o regime do apartheid, diferente também do racismo praticado nos EUA, principalmente no Sul. Porque nosso racismo é, utilizando uma palavra bem conhecida, sutil. Ele é velado. Pelo fato de ser sutil e velado isso não quer dizer que faça menos vítimas do que aquele que é aberto. Faz vítimas de qualquer maneira.
Revista Fórum - Quando você tem um sistema como o sul-africano ou um sistema de restrição de direitos como houve nos EUA, o inimigo está claro. No caso brasileiro é mais difícil combatê-lo...
Kabengele - Claro, é mais difícil. Porque você não identifica seu opressor. Nos EUA era mais fácil porque começava pelas leis. A primeira reivindicação: o fim das leis racistas. Depois, se luta para implementar políticas públicas que busquem a promoção da igualdade racial. Aqui é mais difícil, porque não tinha lei nem pra discriminar, nem pra proteger. As leis pra proteger estão na nova Constituição que diz que o racismo é um crime inafiançável. Antes disso tinha a lei Afonso Arinos, de 1951. De acordo com essa lei, a prática do racismo não era um crime, era uma contravenção. A população negra e indígena viveu muito tempo sem leis nem para discriminar nem para proteger.
Revista Fórum - Aqui no Brasil há mais dificuldade com relação ao sistema de cotas justamente por conta do mito da democracia racial?
Kabengele - Tem segmentos da população a favor e contra. Começaria pelos que estão contra as cotas, que apelam para a própria Constituição, afirmando que perante a lei somos todos iguais. Então não devemos tratar os cidadãos brasileiros diferentemente, as cotas seriam uma inconstitucionalida de. Outro argumento contrário, que já foi demolido, é a ideia de que seria difícil distinguir os negros no Brasil para se beneficiar pelas cotas por causa da mestiçagem. O Brasil é um país de mestiçagem, muitos brasileiros têm sangue europeu, além de sangue indígena e africano, então seria difícil saber quem é afro-descendente que poderia ser beneficiado pela cota. Esse argumento não resistiu. Por quê? Num país onde existe discriminação antinegro, a própria discriminação é a prova de que é possível identificar os negros. Senão não teria discriminação.
Em comparação com outros países do mundo, o Brasil é um país que tem um índice de mestiçamento muito mais alto. Mas isso não pode impedir uma política, porque basta a autodeclaração. Basta um candidato declarar sua afro-descendê ncia. Se tiver alguma dúvida, tem que averiguar. Nos casos-limite, o indivíduo se autodeclara afrodescendente. Às vezes, tem erros humanos, como o que aconteceu na UnB, de dois jovens mestiços, de mesmos pais, um entrou pelas cotas porque acharam que era mestiço, e o outro foi barrado porque acharam que era branco. Isso são erros humanos. Se tivessem certeza absoluta que era afro-descendente, não seria assim. Mas houve um recurso e ele entrou. Esses casos-limite existem, mas não é isso que vai impedir uma política pública que possa beneficiar uma grande parte da população brasileira.
Além do mais, o critério de cota no Brasil é diferente dos EUA. Nos EUA, começaram com um critério fixo e nato. Basta você nascer negro. No Brasil não. Se a gente analisar a história, com exceção da UnB, que tem suas razões, em todas as universidades brasileiras que entraram pelo critério das cotas, usaram o critério étnico-racial combinado com o critério econômico. O ponto de partida é a escola pública. Nos EUA não foi isso. Só que a imprensa não quer enxergar, todo mundo quer dizer que cota é simplesmente racial. Não é. Isso é mentira, tem que ver como funciona em todas as universidades. É necessário fazer um certo controle, senão não adianta aplicar as cotas. No entanto, se mantém a ideia de que, pelas pesquisas quantitativas, do IBGE, do Ipea, dos índices do Pnud, mostram que o abismo em matéria de educação entre negros e brancos é muito grande. Se a gente considerar isso então tem que ter uma política de mudança. É nesse sentido que se defende uma política de cotas.
O racismo é cotidiano na sociedade brasileira. As pessoas que estão contra cotas pensam como se o racismo não tivesse existido na sociedade, não estivesse criando vítimas. Se alguém comprovar que não tem mais racismo no Brasil, não devemos mais falar em cotas para negros. Deveríamos falar só de classes sociais. Mas como o racismo ainda existe, então não há como você tratar igualmente as pessoas que são vítimas de racismo e da questão econômica em relação àquelas que não sofrem esse tipo de preconceito. A própria pesquisa do IPEA mostra que se não mudar esse quadro, os negros vão levar muitos e muitos anos para chegar aonde estão os brancos em matéria de educação. Os que são contra cotas ainda dão o argumento de que qualquer política de diferença por parte do governo no Brasil seria uma política de reconhecimento das raças e isso seria um retrocesso, que teríamos conflitos, como os que aconteciam nos EUA.
Fórum - Que é o argumento do Demétrio Magnoli.
Kabengele - Isso é muito falso, porque já temos a experiência, alguns falam de mais de 70 universidades públicas, outros falam em 80. Já ouviu falar de conflitos raciais em algum lugar, linchamentos raciais? Não existe. É claro que houve manifestações numa universidade ou outra, umas pichações, "negro, volta pra senzala". Mas isso não se caracteriza como conflito racial. Isso é uma maneira de horrorizar a população, projetar conflitos que na realidade não vão existir.
Fórum - Agora o DEM entrou com uma ação no STF pedindo anulação das cotas. O que motiva um partido como o DEM, qual a conexão entre a ideologia de um partido ou um intelectual como o Magnoli e essa oposição ao sistema de cotas? Qual é a raiz dessa resistência?
Kabengele – Tenho a impressão que as posições ideológicas não são explícitas, são implícitas. A questão das cotas é uma questão política. Tem pessoas no Brasil que ainda acreditam que não há racismo no país. E o argumento desse deputado do DEM é esse, de que não há racismo no Brasil, que a questão é simplesmente socioeconômica. É um ponto de vista refutável, porque nós temos provas de que há racismo no Brasil no cotidiano. O que essas pessoas querem? Status quo. A ideia de que o Brasil vive muito bem, não há problema com ele, que o problema é só com os pobres, que não podemos introduzir as cotas porque seria introduzir uma discriminação contra os brancos e pobres. Mas eles ignoram que os brancos e pobres também são beneficiados pelas cotas, e eles negam esse argumento automaticamente, deixam isso de lado.
Fórum – Mas isso não é um cinismo de parte desses atores políticos, já que eles são contra o sistema de cotas, mas também são contra o Bolsa-Família ou qualquer tipo de política compensatória no campo socioeconômico?
Kabengele - É interessante, porque um país que tem problemas sociais do tamanho do Brasil deveria buscar caminhos de mudança, de transformação da sociedade. Cada vez que se toca nas políticas concretas de mudança, vem um discurso. Mas você não resolve os problemas sociais somente com a retórica. Quanto tempo se fala da qualidade da escola pública? Estou aqui no Brasil há 34 anos. Desde que cheguei aqui, a escola pública mudou em algum lugar? Não, mas o discurso continua. "Ah, é só mudar a escola pública." Os mesmos que dizem isso colocam os seus filhos na escola particular e sabem que a escola pública é ruim. Poderiam eles, como autoridades, dar melhor exemplo e colocar os filhos deles em escola pública e lutar pelas leis, bom salário para os educadores, laboratórios, segurança. Mas a coisa só fica no nível da retórica.
E tem esse argumento legalista, "porque a cota é uma inconstitucionalida de, porque não há racismo no Brasil". Há juristas que dizem que a igualdade da qual fala a Constituição é uma igualdade formal, mas tem a igualdade material. É essa igualdade material que é visada pelas políticas de ação afirmativa. Não basta dizer que somos todos iguais. Isso é importante, mas você tem que dar os meios e isso se faz com as políticas públicas. Muitos disseram que as cotas nas universidades iriam atingir a excelência universitária. Está comprovado que os alunos cotistas tiveram um rendimento igual ou superior aos outros. Então a excelência não foi prejudicada. Aliás, é curioso falar de mérito como se nosso vestibular fosse exemplo de democracia e de mérito.
Mérito significa simplesmente que você coloca como ponto de partida as pessoas no mesmo nível. Quando as pessoas não são iguais, não se pode colocar no ponto de partida para concorrer igualmente. É como você pegar uma pessoa com um fusquinha e outro com um Mercedes, colocar na mesma linha de partida e ver qual o carro mais veloz. O aluno que vem da escola pública, da periferia, de péssima qualidade, e o aluno que vem de escola particular de boa qualidade, partindo do mesmo ponto, é claro que os que vêm de uma boa escola vão ter uma nota superior. Se um aluno que vem de um Pueri Domus, Liceu Pasteur, tira nota 8, esse que vem da periferia e tirou nota 5 teve uma caminhada muito longa. Essa nota 5 pode ser mais significativa do que a nota 7 ou 8. Dando oportunidade ao aluno, ele não vai decepcionar.
Foi isso que aconteceu, deram oportunidade. As cotas são aplicadas desde 2003. Nestes sete anos, quantos jovens beneficiados pelas cotas terminaram o curso universitário e quantos anos o Brasil levaria para formar o tanto de negros sem cotas? Talvez 20 ou mais. Isso são coisas concretas para as quais as pessoas fecham os olhos. No artigo do professor Demétrio Magnoli, ele me critica, mas não leu nada. Nem uma linha de meus livros. Simplesmente pegou o livro da Eneida de Almeida dos Santos, Mulato, negro não-negro e branco não-branco que pediu para eu fazer uma introdução, e desta introdução de três páginas ele tirou algumas frases e, a partir dessas frases, me acusa de ser um charlatão acadêmico, de professar o racismo científico abandonado há mais de um século e fazer parte de um projeto de racialização oficial do Brasil. Nunca leu nada do que eu escrevi.
A autora do livro é mestiça, psiquiatra e estuda a dificuldade que os mestiços entre branco e negro têm pra construir a sua identidade. Fiz a introdução mostrando que eles têm essa dificuldade justamente por causa de serem negros não-negros e brancos não-brancos. Isso prejudica o processo, mas no plano político, jurídico, eles não podem ficar ambivalentes. Eles têm que optar por uma identidade, têm que aceitar sua negritude, e não rejeitá-la. Com isso ele acha que eu estou professando a supressão dos mestiços no Brasil e que isso faz parte do projeto de racialização do brasileiro. Não tinha nada para me acusar, soube que estou defendendo as cotas, tirou três frases e fez a acusação dele no jornal.
Fórum - O senhor toca na questão do imaginário da democracia racial, mas as pessoas são formadas para aceitarem esse mito...
Kabengele - O racismo é uma ideologia. A ideologia só pode ser reproduzida se as próprias vítimas aceitam, a introjetam, naturalizam essa ideologia. Além das próprias vítimas, outros cidadãos também, que discriminam e acham que são superiores aos outros, que têm direito de ocupar os melhores lugares na sociedade. Se não reunir essas duas condições, o racismo não pode ser reproduzido como ideologia, mas toda educação que nós recebemos é para poder reproduzi-la.
Há negros que introduziram isso, que alienaram sua humanidade, que acham que são mesmo inferiores e o branco tem todo o direito de ocupar os postos de comando. Como também tem os brancos que introjetaram isso e acham mesmo que são superiores por natureza. Mas para você lutar contra essa ideia não bastam as leis, que são repressivas, só vão punir. Tem que educar também. A educação é um instrumento muito importante de mudança de mentalidade e o brasileiro foi educado para não assumir seus preconceitos. O Florestan Fernandes dizia que um dos problemas dos brasileiros é o “preconceito de ter preconceito de ter preconceito”. O brasileiro nunca vai aceitar que é preconceituoso. Foi educado para não aceitar isso. Como se diz, na casa de enforcado não se fala de corda.
Quando você está diante do negro, dizem que tem que dizer que é moreno, porque se disser que é negro, ele vai se sentir ofendido. O que não quer dizer que ele não deve ser chamado de negro. Ele tem nome, tem identidade, mas quando se fala dele, pode dizer que é negro, não precisa branqueá-lo, torná-lo moreno. O brasileiro foi educado para se comportar assim, para não falar de corda na casa de enforcado. Quando você pega um brasileiro em flagrante de prática racista, ele não aceita, porque não foi educado para isso. Se fosse um americano, ele vai dizer: "Não vou alugar minha casa para um negro". No Brasil, vai dizer: "Olha, amigo, você chegou tarde, acabei de alugar". Porque a educação que o americano recebeu é pra assumir suas práticas racistas, pra ser uma coisa explícita.
Quando a Folha de S. Paulo fez aquela pesquisa de opinião em 1995, perguntaram para muitos brasileiros se existe racismo no Brasil. Mais de 80% disseram que sim. Perguntaram para as mesmas pessoas: "você já discriminou alguém?". A maioria disse que não. Significa que há racismo, mas sem racistas. Ele está no ar... Como você vai combater isso? Muitas vezes o brasileiro chega a dizer ao negro que reage: "você que é complexado, o problema está na sua cabeça". Ele rejeita a culpa e coloca na própria vítima. Já ouviu falar de crime perfeito? Nosso racismo é um crime perfeito, porque a própria vítima é que é responsável pelo seu racismo, quem comentou não tem nenhum problema.
Revista Fórum - O humorista Danilo Gentilli escreveu no Twitter uma piada a respeito do King Kong, comparando com um jogador de futebol que saía com loiras. Houve uma reação grande e a continuação dos argumentos dele para se justificar vai ao encontro disso que o senhor está falando. Ele dizia que racista era quem acusava ele, e citava a questão do orgulho negro como algo de quem é racista.
Kebengele - Faz parte desse imaginário. O que está por trás que está fazendo uma ilustração de King Kong, que ele compara a um jogador de futebol que vai casar com uma loira, é a ideia de alguém que ascende na vida e vai procurar sua loira. Mas qual é o problema desse jogador de futebol? São pessoas vítimas do racismo que acham que agora ascenderam na vida e, para mostrar isso, têm que ter uma loira que era proibida quando eram pobres? Pode até ser uma explicação. Mas essa loira não é uma pessoa humana que pode dizer não ou sim e foi obrigada a ir com o King Kong por causa de dinheiro? Pode ser, quantos casamentos não são por dinheiro na nossa sociedade? A velha burguesia só se casa dentro da velha burguesia. Mas sempre tem pessoas que desobedecem as normas da sociedade.
Essas jovens brancas, loiras, também pulam a cerca de suas identidades pra casar com um negro jogador. Por que a corda só arrebenta do lado do jogador de futebol? No fundo, essas pessoas não querem que os negros casem com suas filhas. É uma forma de racismo. Estão praticando um preconceito que não respeita a vontade dessas mulheres nem essas pessoas que ascenderam na vida, numa sociedade onde o amor é algo sem fronteiras, e não teria tantos mestiços nessa sociedade. Com tudo o que aconteceu no campo de futebol com aquele jogador da Argentina que chamou o Grafite de macaco, com tudo o que acontece na Europa, esse humorista faz uma ilustração disso, ou é uma provocação ou quer reafirmar os preconceitos na nossa sociedade.
Fórum - É que no caso, o Danilo Gentili ainda justificou sua piada com um argumento muito simplório: "por que eu posso chamar um gordo de baleia e um negro de macaco", como se fosse a mesma coisa.
Kabengele - É interessante isso, porque tenho a impressão de que é um cara que não conhece a história e o orgulho negro tem uma história. São seres humanos que, pelo próprio processo de colonização, de escravidão, a essas pessoas foi negada sua humanidade. Para poder se recuperar, ele tem que assumir seu corpo como negro. Se olhar no espelho e se achar bonito ou se achar feio. É isso o orgulho negro. E faz parte do processo de se assumir como negro, assumir seu corpo que foi recusado. Se o humorista conhecesse isso, entenderia a história do orgulho negro. O branco não tem motivo para ter orgulho branco porque ele é vitorioso, está lá em cima. O outro que está lá em baixo que deve ter orgulho, que deve construir esse orgulho para poder se reerguer.
Fórum - O senhor tocou no caso do Grafite com o Desábato, e recentemente tivemos, no jogo da Libertadores entre Cruzeiro e Grêmio, o caso de um jogador que teria sido chamado de macaco por outro atleta. Em geral, as pessoas – jornalistas que comentaram, a diretoria gremista – argumentavam que no campo de futebol você pode falar qualquer coisa, e que se as pessoas fossem se importar com isso, não teria como ter jogo de futebol. Como você vê esse tipo de situação?
Kabengele - Isso é uma prova daquilo que falei, os brasileiros são educados para não assumir seus hábitos, seu racismo. Em outros países, não teria essa conversa de que no campo de futebol vale. O pessoal pune mesmo. Mas aqui, quando se trata do negro... Já ouviu caso contrário, de negro que chama branco de macaco? Quando aquele delegado prendeu o jogador argentino no caso do Grafite, todo mundo caiu em cima. Os técnicos, jornalistas, esportistas, todo mundo dizendo que é assim no futebol. Então a gente não pode educar o jogador de futebol, tudo é permitido? Quando há violência física, eles são punidos, mas isso aqui é uma violência também, uma violência simbólica. Por que a violência simbólica é aceita a violência física é punida?
Fórum - Como o senhor vê hoje a aplicação da lei que determina a obrigatoriedade do ensino de cultura africana nas escolas? Os professores, de um modo geral, estão preparados para lidar com a questão racial?
Kabengele - Essa lei já foi objeto de crítica das pessoas que acham que isso também seria uma racialização do Brasil. Pessoas que acham que, sendo a população brasileira uma população mestiça, não é preciso ensinar a cultura do negro, ensinar a história do negro ou da África. Temos uma única história, uma única cultura, que é uma cultura mestiça. Tem pessoas que vão nessa direção, pensam que isso é uma racialização da educação no Brasil.
Mas essa questão do ensino da diversidade na escola não é propriedade do Brasil. Todos os países do mundo lidam com a questão da diversidade, do ensino da diversidade na escola, até os que não foram colonizadores, os nórdicos, com a vinda dos imigrantes, estão tratando da questão da diversidade na escola.
O Brasil deveria tratar dessa questão com mais força, porque é um país que nasceu do encontro das culturas, das civilizações. Os europeus chegaram, a população indígena – dona da terra – os africanos, depois a última onda imigratória é dos asiáticos. Então tudo isso faz parte das raízes formadoras do Brasil que devem fazer parte da formação do cidadão. Ora, se a gente olhar nosso sistema educativo, percebemos que a história do negro, da África, das populações indígenas não fazia parte da educação do brasileiro.
Nosso modelo de educação é eurocêntrico. Do ponto de vista da historiografia oficial, os portugueses chegaram na África, encontraram os africanos vendendo seus filhos, compraram e levaram para o Brasil. Não foi isso que aconteceu. A história da escravidão é uma história da violência. Quando se fala de contribuições, nunca se fala da África. Se se introduzir a história do outro de uma maneira positiva, isso ajuda.
É por isso que a educação, a introdução da história dele no Brasil, faz parte desse processo de construção do orgulho negro. Ele tem que saber que foi trazido e aqui contribuiu com o seu trabalho, trabalho escravizado, para construir as bases da economia colonial brasileira. Além do mais, houve a resistência, o negro não era um João-Bobo que simplesmente aceitou, senão a gente não teria rebeliões das senzalas, o Quilombo dos Palmares, que durou quase um século. São provas de resistência e de defesa da dignidade humana. São essas coisas que devem ser ensinadas. Isso faz parte do patrimônio histórico de todos os brasileiros. O branco e o negro têm que conhecer essa história porque é aí que vão poder respeitar os outros.
Voltando a sua pergunta, as dificuldades são de duas ordens. Em primeiro lugar, os educadores não têm formação para ensinar a diversidade. Estudaram em escolas de educação eurocêntrica, onde não se ensinava a história do negro, não estudaram história da África, como vão passar isso aos alunos? Além do mais, a África é um continente, com centenas de culturas e civilizações. São 54 países oficialmente. A primeira coisa é formar os educadores, orientar por onde começou a cultura negra no Brasil, por onde começa essa história. Depois dessa formação, com certo conteúdo, material didático de boa qualidade, que nada tem a ver com a historiografia oficial, o processo pode funcionar.
Fórum - Outra questão que se discute é sobre o negro nos espaços de poder. Não se veem negros como prefeitos, governadores. Como trabalhar contra isso?
Kabengele - O que é um país democrático? Um país democrático, no meu ponto de vista, é um país que reflete a sua diversidade na estrutura de poder. Nela, você vê mulheres ocupando cargos de responsabilidade, no Executivo, no Legislativo, no Judiciário, assim como no setor privado. E ainda os índios, que são os grandes discriminados pela sociedade. Isso seria um país democrático. O fato de você olhar a estrutura de poder e ver poucos negros ou quase não ver negros, não ver mulheres, não ver índios, isso significa que há alguma coisa que não foi feita nesse país. Como construção da democracia, a representatividade da diversidade não existe na estrutura de poder. Por quê?
Se você fizer um levantamento no campo jurídico, quantos desembargadores e juízes negros têm na sociedade brasileira? Se você for pras universidades públicas, quantos professores negros tem, começando por minha própria universidade? Esta universidade tem cerca de 5 mil professores. Quantos professores negros tem na USP? Nessa grande faculdade, que é a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), uma das maiores da USP junto com a Politécnica, tenho certeza de que na minha faculdade fui o primeiro negro a entrar como professor. Desde que entrei no Departamento de Antropologia, não entrou outro. Daqui três anos vou me aposentar. O professor Milton Santos, que era um grande professor, quase Nobel da Geografia, entrou no departamento, veio do exterior e eu já estava aqui. Em toda a USP, não sou capaz de passar de dez pessoas conhecidas. Pode ter mais, mas não chega a 50, exagerando. Se você for para as grandes universidades americanas, Harvard, Princeton, Standford, você vai encontrar mais negros professores do que no Brasil. Lá eles são mais racistas, ou eram mais racistas, mas como explicar tudo isso?
120 anos de abolição. Por que não houve uma certa mobilidade social para os negros chegarem lá? Há duas explicações: ou você diz que ele é geneticamente menos inteligente, o que seria uma explicação racista, ou encontra explicação na sociedade. Quer dizer que se bloqueou a sua mobilidade. E isso passa por questão de preconceito, de discriminação racial. Não há como explicar isso. Se você entender que os imigrantes japoneses chegaram, nós comemoramos 100 anos recentemente da sua vinda, eles tiveram uma certa mobilidade. Os coreanos também ocupam um lugar na sociedade. Mas os negros já estão a 120 anos da abolição. Então tem uma explicação. Daí a necessidade de se mudar o quadro. Ou nós mantemos o quadro, porque se não mudamos estamos racializando o Brasil, ou a gente mantém a situação para mostrar que não somos racistas. Porque a explicação é essa, se mexer, somos racistas e estamos racializando. Então vamos deixar as coisas do jeito que estão. Esse é o dilema da sociedade.
Revista Fórum – como o senhor vê o tratamento dado pela mídia à questão racial?
Kabengele - A imprensa faz parte da sociedade. Acho que esse discurso do mito da democracia racial é um discurso também que é absorvido por alguns membros da imprensa. Acho que há uma certa tendência na imprensa pelo fato de ser contra as políticas de ação afirmativa, sendo que também não são muito favoráveis a essa questão da obrigatoriedade do ensino da história do negro na escola.
Houve, no mês passado, a II Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial. Silêncio completo da imprensa brasileira. Não houve matérias sobre isso. Os grandes jornais da imprensa escrita não pautaram isso. O silêncio faz parte do dispositivo do racismo brasileiro. Como disse Elie Wiesel, o carrasco mata sempre duas vezes. A segunda mata pelo silêncio. O silêncio é uma maneira de você matar a consciência de um povo. Porque se falar sobre isso abertamente, as pessoas vão buscar saber, se conscientizar, mas se ficar no silêncio a coisa morre por aí. Então acho que o silêncio da imprensa, no meu ponto de vista, passa por essa estratégia, é o não-dito.
Acabei de passar por uma experiência interessante. Saí da Conferência Nacional e fui para Barcelona, convidado por um grupo de brasileiros que pratica capoeira. Claro, receberam recursos do Ministério das Relações Exteriores, que pagou minha passagem e a estadia. Era uma reunião pequena de capoeiristas e fiz uma conferência sobre a cultura negra no Brasil. Saiu no El Pais, que é o jornal mais importante da Espanha, noticiou isso, uma coisa pequena. Uma conferência nacional deste tamanho aqui não se fala. É um contrassenso. O silêncio da imprensa não é um silêncio neutro, é um silêncio que indica uma certa orientação da questão racial. Tem que não dizer muita coisa e ficar calado. Amanhã não se fala mais, acabou.
Essa matéria é parte integrante da edição impressa da Fórum de agosto de 2009.
segunda-feira, 23 de novembro de 2009
Flagrante: Rádio CBN observa tratamento desigual dado a clientes brancos e negros
SEREIAS RECEBEM HOMENAGEM DA CÂMARA MUNICIPAL DE SANTOS , TERÇA-FEIRA (24), NA VILA BELMIRO |
![]() Pela importância do ótimo trabalho e os títulos conquistados, entre eles a Copa Libertadores da América Feminina, nesta terça-feira (24), as Sereias da Vila do Santos Futebol Clube receberão placa de homenagem da Câmara Municipal de Santos. A solenidade ocorrerá às 12 horas, no Salão do Conselho Deliberativo do Estádio Urbano Caldeira (Rua Princesa Isabel, 77 – Vila Belmiro), em Santos (Litoral de São Paulo). A iniciativa é do vereador Hugo Duppre (PMN) e foi aprovada por unanimidade no plenário do Legislativo santista. "Além do excelente trabalho de inclusão social, o Futebol Feminino do Santos FC faz uma divulgação positiva da Cidade no Brasil e no exterior", destacou o Duppre. O vereador ainda comentou que acompanha a progressão do trabalho das Sereias da Vila. “O Santos é referência em termos de trabalho com o futebol feminino. Nada melhor que premiar o time que já nasceu campeão. Essa equipe está agregando grandes talentos e isso acaba colaborando com a cidade que sempre foi um potencial esportivo”. |
Data da notícia: 23/11/2009 |
Fonte: http://santos.globo.com |
Autor: Maurílio Carvalho-colaborador http://www.assessoriagasglp.com.br/adm/work_noticia/noticia_completa.php?cod=342 |
Pela primeira vez no Brasil, pastores homossexuais realizam o sonho de se casar
20.11.2009
| 23h49m
CELEBRAÇÃO
Primeiro casamento entre pastores gays do país
RIO - Convidados que não conseguem conter as lágrimas, bolo, padrinhos, traje de gala e a marcha nupcial. Parecia um casamento como qualquer outro, mas não era. Foi celebrado na noite desta sexta, numa casa de festas do Alto da Boa Vista, o primeiro casamento entre pastores evangélicos homossexuais do país. Marcos Gladstone, de 33 anos, e Fábio Inácio, de 30, reuniram as famílias e os amigos para oficializar a relação do casal. A data foi escolhida com cuidado: no Dia da Consciência Negra - os pastores homossexuais resolveram dar mais um passo na tentativa de abolir o preconceito.
Pastores gays realizam o sonho de se casar

Os dois pastores são os fundadores da Igreja Cristã Contemporânea. A denominação evangélica é mais liberal que as igrejas tradicionais e recebe fiéis da comunidade LGBT - sigla para lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros. Como a união entre pessoas do mesmo sexo ainda não é reconhecida legalmente no Brasil, os noivos assinaram um contrato de união homoafetiva durante a cerimônia.

Para o pastor Fábio, a cerimônia foi representativa, mas não só do ponto de vista pessoal:
- Este dia (do casamento) é importante na vida de muitas pessoas. A nossa iniciativa é para mostrar que é possível ser gay, ser cristão e ser evangélico.
Uma data especial e históricaAo som de canções evangélicas, cerca de 300 convidados do casamento acompanharam a celebração inédita no país. A união foi celebrada pelo pastor Justino Luiz, da Comunidade Cristã Nova Esperança. A igreja de São Paulo, assim como a fundada por Marcos e Fábio, está entre as denominações evangélicas inclusivas. Negro e homossexual, o pastor Justino estava contente em poder celebrar a união homoafetiva de Fábio e Marcos no Dia da Consciência Negra:
- É importante para a visibilidade da comunidade LGBT. Queremos ter os mesmos direitos que todas as pessoas têm, inclusive nas cerimônias.
Marco para a igrejaUm dos padrinhos da união entre os pastores, Alexandre Castillho, de 39 anos, também membro da Igreja Contemporânea, definiu a data como sendo especial para todos os fiéis da sua comunidade evangélica:
- E um marco para nós todos como igreja. Acho que vai abrir um leque de opções. Temos que acabar com o preconceito cada vez mais.
quinta-feira, 19 de novembro de 2009
TJ-RJ mantém validade da Lei de Cotas em universidades
Date: Thu, 19 Nov 2009 09:21:33 -0200
To: renatoferreira@...
Subject: TJ-RJ COTAS SÃO CONSTITUCIONAIS
Prezad@s
estivemos ontem no Órgão Especial do Tribunal de Justiça no julgamento do sistema de cotas das universidades do Estado.
A pedido do Dr. Umberto Adami do IARA, tivemos a honra de fazer a sustentação oral pelas entidades do Mov. Negro.
Numa votação expressiva, o Tribunal decidiu que as cotas são constitucionais acompanhando o execelente voto do relator Sergio Cavaliere. O resultado do Julgamenteo foi 15 a 6.
Resta agora prosseguir nesta luta até o julgamento das ações que estão no STF.
A tod@s um abraço.
quinta-feira, 19 de novembro de 2009, 11:33
AE - Agencia Estado
SÃO PAULO - O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) decidiu pela constitucionalidade da Lei de Cotas no Estado. Por 15 votos a 6, os desembargadores julgaram improcedente a representação do deputado Flávio Bolsonaro (PP), que pedia a suspensão da Lei 5.346/2008, que estende por mais dez anos a reserva de vagas para negros, indígenas, alunos da rede pública, portadores de deficiência e filhos de policiais, bombeiros e inspetores de segurança e penitenciários mortos ou incapacitados em serviço em universidades estaduais do Estado.
Há seis meses, os desembargadores haviam concedido liminar à mesma representação. Diante da repercussão negativa e do apelo de reitores por conta dos vestibulares em andamento, o colegiado postergou o início da legitimidade da liminar para 2010. Ontem, os magistrados mantiveram a validade da lei. Bolsonaro anunciou que vai apresentar recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF).
O relator do processo, Sergio Cavalieri Filho, disse que as ações afirmativas funcionam para garantir a isonomia. "Há grupos minoritários e hipossuficientes que precisam de tratamento especial", afirmou. Para Bolsonaro, "a Justiça do Rio sinalizou para todo o Brasil que separar a sociedade em brancos e negros é constitucional e moral". "O que eu lamento", disse. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
VAGAS NAS UNIVERSIDADES
TJ considera Lei das Cotas constitucional
O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio declarou, nesta quarta-feira, que a Lei Estadual 5.346/2008, que instituiu o sistema de cotas para ingresso nas universidades estaduais, é constitucional. Por maioria de votos, os desembargadores acompanharam a posição do desembargador Sergio Cavalieri, relator da ação direta de inconstitucionalidade, para quem a norma aprovada pela Assembléia Legislativa não fere o princípio da igualdade.
A lei, que entrou em vigor em dezembro de 2008, beneficia estudantes carentes negros, indígenas, alunos da rede pública de ensino, portadores de deficiência física e filhos de policiais civis e militares, bombeiros militares e inspetores de segurança e administração penitenciária, mortos ou incapacitados em razão do serviço. Seu prazo de validade é de 10 anos.
A ação, com pedido de liminar, fora proposta pelo deputado estadual Flavio Bolsonaro. Em maio deste ano, ao examinar o pedido de liminar, o Tribunal de Justiça suspendeu os efeitos da lei. No mês seguinte, diante de uma questão de ordem suscitada pelo Governo do Estado, e para evitar prejuízos aos estudantes que já estavam inscritos nos vestibulares deste ano, os desembargadores decidiram que a suspensão entraria em vigor a partir de 2010.
Nesta quarta-feira, ao julgar o mérito da ação, o desembargador Sergio Cavalieri – que participou de sua última sessão no Órgão Especial em razão de sua aposentadoria - adotou em seu voto os pareceres da Procuradoria Geral do Estado e da Procuradoria de Justiça em favor da constitucionalidade da lei.
Segundo o desembargador, a “igualdade só pode ser verificada entre pessoas que se encontram em situação semelhante”. E emendou: “Há grupos minoritários e hipossuficientes que precisam de tratamento especial. Se assim não for, o princípio da isonomia vai ser uma fantasia”.
Ainda de acordo com o relator, não há igualdade formal sem igualdade material. Defendeu ainda que ações afirmativas como as cotas e a reforma do ensino básico não são medidas antagônicas. O relator classificou também de simplista a afirmação de que a política de cotas fomentaria a separação racial.
DOE SANGUE!!!
É importante.
O INCA - Instituto Nacional do Câncer - fica na Praça da Cruz Vermelha, no Centro do Rio).
Repasse a mensagem para quem vocês puderem, pois a situação do Instituto Nacional do Câncer é realmente dramática.
Eles não têm sangue, nem doadores. Já saíram notas nos jornais e pouco adiantou. O Instituto Nacional do Câncer - INCA - está precisando urgentemente de doadores de sangue.
O banco de sangue está quase vazio e o Hospital enfrenta dificuldades, até para marcar cirurgias, muitas vezes, precisando recorrer a outros bancos de sangue da cidade, que também passam pela mesma dificuldade: falta de doadores.
A transfusão de sangue para pessoas com câncer é muito importante. Sem ela, muitos pacientes não conseguiriam sobreviver aos tratamentos que envolvem drogas pesadas. Para doar, basta chegar na portaria do Hospital com sua carteira de identidade ou qualquer documento similar, apresentando- se como doador.
NÃO vá em jejum, alimente-se de coisas leves e não gordurosas, evite o álcool por pelo menos 12 horas.
Você deve estar em boas condições de saúde, ter entre 18 e 60 anos e pesar 50kg ou mais.
Mulheres podem doar a cada 4 meses e homens a cada 3 meses.
Esta mensagem pode alcançar muitos doadores, se você enviar agora para outros endereços.
Por favor, colabore. Faça a sua parte!
Muitas vidas agradecem.
OBS: Mesmo que você não possa ou não esteja interessado em realizar a doação, não deixe de repassar essa mensagem para seus conhecidos. É uma causa importante, todos podem colaborar de alguma maneira. E olhe pelo lado bom, esta não é mais uma daquelas correntes fúteis que enchem sua caixa de mensagem!
terça-feira, 17 de novembro de 2009
Marcos Rezende recebe Medalha Zumbi dos Palmares
Marcos Rezende recebe Medalha Zumbi dos Palmares
A iniciativa foi da vereadora Leo Kret
O desenvolvimento de trabalhos sociais que beneficiaram jovens do grupo Olodum e a atuação destacada no Coletivo de Entidade Negras (CEN) credenciaram o professor Marcos Rezende a receber a Medalha Zumbi dos Palmares, na Câmara Municipal de Salvador. A sessão solene, realizada por iniciativa da vereadora Leo Kret do Brasil (PR), aconteceu na quarta-feira (11) à noite.
Para retratar o orgulho de ser negro, o cantor Lazzo Matumbi e os batuques do povo de santo abriram a solenidade com a música Alegria da Cidade, de autoria de Margareth Menezes, e emocionou o homenageado, iniciado no candomblé e ogã do Terreiro de Oxumaré, um dos mais importantes da Bahia.
Leo Kret, autora do requerimento, lembrou da greve de fome feita pelo homenageado para protestar contra a demolição do Terreiro Oyá Onipó Neto, em 27 de fevereiro de 2008. “Ele utilizou de seu próprio corpo para chamar a atenção das autoridades em relação à derrubada deste templo religioso em Salvador, uma cidade que é tão plural religiosamente”, declarou.
Marcos Rezende, em seu discurso, lembrou das dificuldades da infância, dos preconceitos sofridos e agradeceu à vereadora Leo Kret “pela oportunidade de ter esse dia mágico”, no Plenário Cosme de Farias. Ao receber a condecoração de seus pais, Rezende foi aplaudido de pé pelos amigos, familiares e representantes das entidades negras que prestigiaram o homenageando, lotando as dependências do plenário.
Além de Leo Kret e de Marcos Rezende, compuseram a Mesa: a vereadora Vânia Galvão (PT), que presidiu a solenidade; Alex Reis, representante do ministro Edson Santos, da Secretaria Especial da Política de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (Seppir); Ailton Ferreira, secretário municipal da reparação; deputado estadual Bira Coroa (PT); Sérgio São Bernardo, professor da Universidade Estadual da Bahia (Uneb), Almiro Sena, promotor de justiça; Mãe Jaciara, yalorixá do Abassa de Ogum e o professor da Uneb, Hilton Coelho.
Histórico de lutas
Membro da Coordenação Nacional de Direitos Humanos e bacharel em História, Marcos Fábio Rezende Correia lecionou em escolas públicas e particulares buscando aproximação dos alunos com a história da cidade, enfatizando a questão da desigualdade social.
Além de ser principal voz de resistência contra o episódio da derrubada do terreiro Oyá Onipó Neto, no Imbuí, presta auxílio a pequenas entidades e afoxés que participam do Carnaval e atua com destaque no Coletivo de Entidades Negras (CEN), organização não-governamental, sem fins lucrativos e sem vínculos político-partidários, que tem o objetivo de estabelecer o diálogo e diminuir a intolerância entre diferentes segmentos raciais e sociais. Prestigiaram o evento, ainda, os vereadores Olívia Santana (PCdoB) e Gilmar Santiago (PT).
Fonte: http://www.cms.ba.gov.br/noticias.asp?refnot=902
A comunidade CEN,está em festa,ontem tivemos o prazer de ver o nosso amigo,irmão e Coordenador Nacional do CEN, Marcos Rezende,receber a MEDALHA ZUMBI DOS PALMARES,foi um momento de muitas emoções, a familia de Marcos,presente Mãe,pai,irmãos, Tios,sobrinhos, cunhadas, não contive as minhas lágrimas, esse reconhecimento chega na melhor hora,vimos varias pessoas que no passado jogaram pedras em nós, tiveram que aplaudir,situaçõ es adversas passamos,temos em nosso grupo uma pessoa não qual compartilhou em alguns momentos essas dores, foi o Marcio Alexandre,o qual quero dizer o quanto te amo meu irmão,pela orientações e reflexões passada para nós.Ouvir de pessoas, vereadora e um grande empresário negro de Salvador,nos corredores uma palavras,olha esse é o evento,entendi o que eles estavam falando,estavã o felizes.As presenças de autoridades Religiosa, políticas e de uma grande representatividades da sociedade civil,que abrilhantou o evento.Agradecemos ao mandato da vereadora Leu Kret,pela atenção e reconhecimento desta casa chamado CEN,ao amigo Renildo pelas movimentações. As nossas diferenças não podem no separar,estiveram presentes evangélicos,os quais acreditam que unidos podemos combater as intolerâncias nas mais diversas formas que são feitas, Meus amigos e irmãos em Cristo,Tarcito e Laina, do INSTITUTO REVERENDO MARTIN LUTHER KING JR,os quais Deus tem nos levantados para fazermos a diferença, e isso estamos construindo. Não poderia esquecer de mencionar uma pessoa ESPECIAL,chamada Yonar,valeu pelo empenho,valeu pela atenção,valeu pela persistência, valeu por ter sustentado nas palavras os momentos de tribulações,mais o que mais valeu é o AMOR DE VOCÊS.Viva Marcos Rezende Viva comunidade CEN essa medalha é nossa.
Cada dia é o dia do julgamento, e nós, com nossos atos e nossas palavras, com nosso silêncio e nossa voz, vamos escrevendo continuamente o livro da vida. A luz veio ao mundo e cada um de nós deve decidir se quer caminhar na luz do altruísmo construtivo ou nas trevas do egoísmo. Portanto, a mais urgente pergunta a ser feita nesta vida é: \'O que fiz hoje pelos outros?
ABSURDO!!! Ataque, humilhação e mensagem subliminar em plena Semana de Consciência Negra!!!

Afroabraços,
Helio Ventura
"Quando soube que Manoel Carlos colocaria uma Helena Negra na novela das 20h, fiquei muito feliz, mas por outro lado apreensiva. Pensei... Nossa! O que está vindo por aí? E tenho acompanhado a novela sempre que posso.
Primeiro, o autor condena Helena por ter feito um aborto, para continuar sua carreira. Algo que hoje não é novidade, muito pelo contrário, é natural. Grupos feministas lutam pelo direito ao aborto, e ele aborda como se a Helena fosse a primeira mulher a abortar.
Segundo, não dá espaço a família de Helena. Observem que o núcleo inteiro tem menos falas do que a personagem Dora e sua filha.
Terceiro, ele coloca Helena de mucama como babá de Luciana.
E hoje (espero que ele pare por aí), na semana da Consciência Negra, ele coloca uma atriz negra, do top de Taís Araújo, tomando uma bofetada na cara, de joelhos, pedindo perdão como na época da escravidão. Manoel Carlos quis relembrar os saudosos (para os brancos é claro!) tempos coloniais. E o mais importante: enviar uma mensagem subliminar ao nosso povo, que é o que a televisão brasileira faz o tempo todo.
Ele quis colocar a Taís e todos nós no lugar que os brancos querem que estejamos: no chão. Mas, estamos ocupando o nosso verdadeiro lugar e eles não têm mais como evitar.
Posso imaginar os brancos racistas vibrando com aquela bofetada.
Postem mensagens no site http://viveravida. webnode.com/ manoelcarlos/.. Fiquei feliz com as mensagens de indignação.
Com muito ódio e indignação,
Giselle Moraes"
O rapaz, pai do sobrinho da Helena, que é negro também...tinha que ser bandido???? Detalhe: no hospital da novela não tem médico nem médica negros, as amigas da Helena são todas brancas, tem até asiática mas preta, nenhuma!
QUINTA-FEIRA, DEZEMBRO 10, 2009
A Helena Negra posta "no seu lugar".
Os dias de glamour da primeira Helena negra foram poucos. No capítulo de ontem, numa cena que fazia uma alusão direta à noção de soberania branca, a personagem negra se ajoelha aos pés da mulher branca e pede perdão. Após isso, dotada de toda autoridade, a "mãe branca e zelosa" dirige um violento tapa na cara na personagem negra que resignadamente aceita a punição.
A cena chocou diversas pessoas. No caso particular das mulheres negras, todas se recusaram a se reconhecer daquela forma e se revoltam contra aquela atitude submissa e passiva diante da violência racial. Aquela cena teve uma repercussão desastrosa em cada uma de nós. A postura submissa da Helena negra vai contra a forma como hoje, e sempre, reagimos à violência racial e ao autoritarismo, seja pelo amparo da lei, seja impondo respeito diante daquele ou daquela que insiste em rememorar os tempos da escravidão, cobrando de nós o eterno deferimento e subserviência. Assim, a trama da novela vai contra a política e debates atuais que visam a igualdade de direitos e a postura autônoma que praticamos no nosso cotidiano e ensinamos a nossas jovens e crianças negras.
A cena de ontem também vai contra os argumentos daqueles que se negam a admitir a existência do racismo no Brasil, que se afirma no imaginário do autor. O capítulo de ontem, por si só, fala da insistente crueldade da elite brasileira de negar o problema do racismo ao mesmo tempo em que, de maneira nefasta, não abre mão de se manter numa posição privilegiada. . A Helena negra é culpada por ter abortado, por ter casado com um homem branco e por não ter "cuidado" devidamente da enteada, numa relação que muito nos lembra mucama e sinhazinha. Não só Helena, mas também a personagem da atriz Sheron Menezes tem a mesmo postura submissa, que paga (literalmente) um alto preço para estar com um homem branco.
Ambas sucumbem diante da supremacia branca retratada na televisão brasileira, ambas não tem dignidade e não representam a luta cotidiana dos homens e mulheres negras que diariamente enfrentam o racismo neste país. Ao que me parece, é muito difícil para a dramaturgia brasileira esconder este ranço ordinário da mentalidade escravocrata e racista.
Luciana Brito
Mestre em História UNICAMP
Movimento Negro Unificado-Bahia"
SEXTA-FEIRA, 20 DE NOVEMBRO DE 2009
Tais de joelhos no horário nobre e semana da consciência negra

Terça-feira, 17/11/2009, 21:30, o telefone toca. Eu, irritada. Horário da novela. Meus amigos e amigas intelectuais não entendem meu vício! Atendo e tomo um susto: uma amiga do Rio que pouco me liga. Estranhei. Pensei logo em desgraça. Eu, olho vidrado na televisão vendo uma culpa absurda encarnada no personagem de Taís Araújo, e minha amiga dizendo:"Menina, viu que horror a cena da novela? Estava falando com A.. Que absurdo!". Eu só me limitei a dizer: "Querida C., Salvador não tem horário de verão. Estou vendo a cena agora. Ela vai se ajoelhar mesmo?. C. só se limitou a dizer: vai lá ver, vai lá ver...". Desligamos.
Cena típica de uma noveleira convicta. Sou daquelas que irritam os amigos quando, dependendo do capítulo, evito sair antes de a novela acabar. Daquelas que sempre promete que não irá acompanhar mais nenhuma novela, mas quando outra começa (na verdade, quase sempre a mesma novela com outra roupagem), acaba acompanhando. Daquelas que, mesmo irritada com o escritor (porque discuto muito com elas e eles), quase sempre, sigo vendo a novela.
Obviamente, aquele mundo não tem nada a ver com o meu, os valores e visões de mundo são, de uma maneira geral, deploráveis, mas gosto de estórias infindáveis e a novela é antes de tudo uma contação sem fim. Relaxo mesmo vendo os absurdos que desfilam na televisão brasileira, sobretudo os das Organizações Globo. Gosto de uns autores, desgosto de outros, mas só deixo de ver mesmo a novela muito mal construída. Agora, o que tenho sentido ao ver cenas de VIVER A VIDA de Manoel Carlos tem sido uma miscelânia de raiva e indignação.
De fato, as novelas desse senhor sempre me irritaram, com um mundo tão amplo quanto os limites do Leblon. Lamentável o cotidiano daquele bairro naturalizado como se fosse o único do Brasil. As empregadas negras, puxa-sacos dos patrões, chatas e, geralmente, gostosas nos seus micro-uniformes azuis, rosas ou salmões (nada contra micro-vestidos, pelo amor de Deus!). Aquela velha representação da preta doméstica boa de cama! A Zilda por exemplo , personagem de Laços de Família, feita pela linda Thalma de Freitas, tinha esse perfil deplorável e ainda gritava diariamente com uma voz de gasguita "Dona Heleeeena"!
Tudo bem que ele não é o único a construir essa típica representação na teledramaturgia brasileira, como bem já demonstrou Joel Zito no livro e documentário A negação do Brasil: o negro na telenovela brasileira. Porém, entre os autores de novela recentes, me parece ser o pior.
Por outro lado, ao construir uma protagonista negra, Maneco tem feito um grande favor a nós que vivemos e procuramos pensar sobre a desigualdade racial no Brasil. As tensões raciais em circulação no nosso país, ao invés de amenizadas, como bem desejaria o porta-voz do Leblon, têm sido marcadas pela super-exposição. Encenada como um grande avanço dramatúrgico, as cenas traem um Brasil inventado como racialmente harmônico, através de uma protagonista negra adestrada pelo embranquecimento. Tendo crescido em uma família negra de classe média, com pai músico, bon vivant e mãe ultra-conservadora, dona de pousada, a protagonista, porém, mostra-se carente de referenciais negros, cercada de amigos não-negros, com certeza, segundo a crença de Maneco, devido ao meio social em que vive.
A infelicidade da cena transmitida no início da semana do 20 de novembro revela índices de violência racial incessantemente (re)encenados na teledramaturgia brasileira. Pior agora, porque travestido na emoção de uma atriz vista como aquela que abre portas para o negro na televisão brasileira. Primeiro, ainda adolescente protagonizou a novela Chica da Silva; depois, foi a primeira protagonista negra da Globo em Da cor do pecado; agora, a primeira protagonista da produção mais cara da mesma emissora.

O pedido de desculpas de Tais Araújo/Helena, ajoelhada diante dos olhos claros de Lília Cabral/Tereza, representa um lugar - o da subserviência - obsessivamente ocupado por personagens e atores negros na televisão brasileira. A cena me pareceu a volta imaginária de tantas sinhazinhas, mucamas, mulheres escravizadas que desfilam nas telenovelas. No momento da cena, não dava para pensar só no enredo da novela e na tragédia vivida pela heroína negra de Maneco. A encarnação cristã da culpa fez a personagem dizer que prefiria ser ela a estar sem os movimentos das pernas e dos braços. O resultado por tamanha submissão (como sempre disse minha mãe: "quem muito se abaixa..."), foi uma bofetada na cara e o ódio da personagem cujas características físicas demonstram um lugar de domínio.
Agora, tão violento quanto a posição de Helena e o tapa recebido é o desolamento vivido pela personagem. A família, morando em Búzios, não se abala pelo drama vivido pela grande modelo internacional, com certeza o motivo de orgulho da família. Até mesmo a mãe de Helena, destoando das representações de mães-leoa de Maneco, limita-se a rezar para o santo de devoção e esperar a visita da filha em casa. Mesmo tendo familiares, a protagonista negra continua como outros personagens negros de telenovelas: sem família, desgarrados. A culpa encarnada por Helena também parece supervalorizada, já que, provavelmente, segundo o perfil da personagem, ela deve ter encarado barras pesadíssimas para se tornar a modelo brasileira de maior sucesso, segundo o texto da novela.
Enfim, uma seqüência de desastres narrativos têm construído uma das protagonistas mais inverossímeis da teledramaturgia brasileira. A única coisa boa nesse mar de inadequações é que nós, telespectadoras negras, podemos, a partir do desfile de atrocidades da novela, aprofundar uma reflexão sobre as danosas conseqüências do racismo em nossa sociedade.
A cena construída por Maneco para ser transmitida em plena semana da consciência negra me fez perder de vez a vontade de acompanhar a novela. Meus amigos intelectuais, durante os próximos 4, 5 meses talvez, poderão me ligar entre as nove e dez horas da noite à vontade!
A cena no You Tube:
http://www.youtube.com/watch?v=-f1bckBAfSE&feature=player_embedded
Quem quiser ler uma interessante reflexão sobre a mesma cena da novela, acessar A Globo e seu TOC (ou a remasterização obsessiva das representações desqualificantes).
http://brsoulsista.blogspot.com/2009/11/tais-de-joelhos-no-horario-nobre-e.html
quarta-feira, 18 de novembro de 2009
A Globo e seu TOC (ou a remasterização obsessiva das representações desqualificantes)
Em A negação do Brasil (documentário datado de 2000), Joel Zito de Araújo enfatiza, de maneira contundente, o espaço conferido ao negro pela televisão brasileira, ou seja, o lugar da inferioridade. Seja por meio das telenovelas ou minisséries, o que se vê ao longo do período que engloba a década de 60 até 90 é exatamente a “remasterização” das principais imagens difundidas ao longo de séculos pelo discurso colonial e seus principais tentáculos – religião, ciência, política.
Seja pelo signo da inferiorização moral e intelectual, passando pela retomada da violência simbólica e física que marcou o tratamento do corpo negro no contexto colonial, a denúncia fundamental do referido documentário reside no seguinte: o discurso da teledramaturgia pouco contribui para desvelar o racismo que marca as tensas relações sociais no Brasil. Ao contrário: a TV, por meio da articulação de especialistas da violência simbólica, retoma esquemas que remetem às estratégias de desqualificação do negro na sociedade brasileira (para ficarmos somente na estrutura dessa nossa sociedade que se pensa democrática).
Quando a questão racial, no contexto televisivo, se cruza com a de gênero, as representações desqualificantes se acentuam, afinal, argumenta-se que a mídia dialoga com o imaginário brasileiro. À mulher negra, no mais das vezes, é associado um sistema de estereotipias, sendo duas as principais imagens: a empregada doméstica submissa ou alcotiveira; a criatura excessivamente sexualizada, que não consegue ultrapassar a condição imposta pelo domínio exclusivo dos instintos. Em ambos os casos, o pêndulo televisivo oscila sob o peso do racismo, pois em nada se afasta da formação discursiva colonial.
Em tempos de ações afirmativas no Brasil, localizados num século ainda “cheirando a leite”, presenciamos mais uma investida num formato de telenovela que vem se consolidando no famigerado horário nobre. Ou seja, novamente a Rede Globo concede ao escritor Manoel Carlos um espaço de destaque em sua programação. Nesse sentido, elementos como a bossa nova, a paisagem carioca da zona sul ou do balneário de Búzios, o cotidiano da classe média (média alta) e, claro, a retomada do ícone da personagem “Helena” são fundamentais para a difusão de uma trama que, se acredita, “dialoga de maneira eficiente com a audiência”. A novidade, na atual telenovela “Viver a vida”, é o protagonismo negro associado à figura da Helena. Tem-se, então, a atriz Thais Araújo interpretando uma mulher que ocupa espaços elitizados, seja pela atividade profissional exercida (modelo internacional), seja pelo padrão de consumo que a sua condição proporciona e, como não poderia deixar de ser, o trânsito desenvolto que faz o Rio de Janeiro (da zona sul) aproximar-se de Paris (numa rapidez e simplicidade, como não poderia deixar de ser).
Associando-se a telenovela “Viver a Vida” ao conjunto de produções analisado por Joel Zito de Araújo, pode-se pensar que há um significativo avanço na forma de inserção do negro na TV. No entanto, violência subsumida no capitulo exibido hoje restaura a polêmica. A essa altura da trama, a Helena já está em sua “temporada no inferno”: sofre o drama psicológico da culpa associada ao trágico destino da sua colega de passarela (a personagem Luciana, representada por Alinne Moraes). Para representar esse sentimento, obviamente a produção investiu numa caracterização degradante da personagem, muito distante do glamour que marcou a sua aparição até então.
No entanto, o que chama a atenção é justamente a cena em que a personagem Helena, de joelhos diante de Tereza (Lilia Cabral), assume toda a responsabilidade pela desgraça familiar. A cena permite uma retomada da estrutura muito comum às ditas “novelas de época” que retratam a subserviência negra diretamente associada à autoridade de um mandatário que não poupa esforços para ratificar a segregação, o distanciamento, a assimetria das relações raciais. Desprovida de graça, e o pior, mergulhada num típico figurino da slave colection, Helena irmana-se com a legião de mucamas e afins que sofrem o peso da sujeição. Aqui inauguro ironicamente o termo slave colection para apontar uma forma previsível de caracterizar a presença negra na televisão, ou seja, representações que remetem à condição escrava (única possibilidade de se pensar essa presença negra).
O ápice da cena é o golpe (tapa) desferido no rosto da Helena. Golpe que não pode ser dissociado da frase que o acompanha: “isso é só o começo”. Não se deve esquecer que como mais uma personagem branqueada – distante da historicidade familiar e isolada do convívio com outros/as negros/as – Helena experimenta a assimilação cultural. No entanto, as próprias contribuições das Ciências Sociais apontam que essa assimilação na verdade é uma armadilha, pois não garante a devida valorização e a ocupação de espaços. Enquanto uma falácia compentente, a assimilação cultural gera o efeito da falsa inclusão, mas a mesma sociedade que a estimula lança mão de mecanismos que reafirmam a exclusão.
Por fim, o simbolismo dessa cena televisiva (ironicamente exibida na “semana da consciência negra”) comprova o caráter pontual da questao negra. E também como ainda se está distante de uma abordagem processual e séria da questão (sobretudo por parte da mídia), o que certamente indicaria avanço. Isso tudo comprova: a racialização ainda é um componente fundamental para se entender como se dão as relações sociais no Brasil (mesmo que enquanto conceito biológico raça – e suas diferenciações – signifique algo superado).
Daniela Galdino. Professora da Rede Estadual de Ensino, Professora Visitante da UNEB, Mestre em Literatura e Diversidade Cultural.
http://puluxia.blogspot.com/2009/11/globo-e-seu-toc-ou-remasterizacao.html
segunda-feira, 16 de novembro de 2009
Flagrante: Manifesto Porta na Cara contra o racismo institucional nos bancos
Se VOCÊ se sentiu alguma vez agredido ou desrespeitado ao tentar entrar na SUA agência bancária para movimentar a SUA conta, ou seja, SEU dinheiro, assine o MANIFESTO PORTA NA CARA pedindo a mudança da porta de segurança das agências para um sistema de RAIO X ou um equipamento de segurança que realmente mostre os pertences que estão sendo conduzidos pelo cliente. As atuais portas são travadas até por uma moeda e você depende da boa vontade do vigilante para destravar a porta e permitir sua entrada no banco. Vamos mudar essa situação e pedir aos bancos que renovem seus equipamentos. Eles podem investir num equipamento de segurança melhor, que implique em menos constrangimento aos seus próprios clientes e usuários.
O Circo Voador acredita que as pessoas devam ser tratadas com dignidade. Agora queremos saber a SUA opinião.
http://www.petitiononline.com/porta/petition.html
Artigo publicado parcialmente no Jornal Griot em março de 2007.
Portas giratórias: detectores de metais ou de melanina?
Empresário negro é morto em agência do Banco Itaú no Rio de Janeiro
Rio de Janeiro, sexta-feira, 22 de dezembro de 2006, 13 horas e 20 minutos. O micro-empresário negro Jonas Eduardo Santos de Souza, 34 anos, estava na fila da agência do banco Itaú da Av. Rio Branco, da qual era cliente há 10 anos, para operações de rotina. Mas ele foi vítima do racismo que persiste em existir em nosso país, apesar de muitas vozes da elite e da intelectualidade negarem. Ele foi morto com um tiro no peito por Natalício de Souza Marins, 29 anos, vigilante da agência.
Ao tentar entrar na agência bancária, Jonas foi parado pela conhecida e constrangedora porta giratória. Ele foi abordado por Natalício e obrigado a pôr na bandeja todos os objetos que possuía. Como a porta continuava travando, Jonas foi obrigado a tirar inclusive o cinto. O gerente foi acionado por Natalício, e só autorizou o acesso do jovem micro-empresário à agência após exigir que Jonas provasse ser cliente da agência, mostrando um cartão do banco. Após o constrangimento, já dentro da agência, Jonas e Natalício continuaram a discutir, até que o vigilante, demonstrando total despreparo para o exercício da função, sacou seu revólver e matou Jonas, que não teve chance de defesa.
Natalício trabalhava há 3 anos no Grupo Protege, empresa de vigilância terceirizada pelo Banco Itaú S.A., e estava lotado há 5 meses na agência onde ocorreu o homicídio. Ele saiu da agência sem algemas e foi liberado após prestar depoimento na delegacia. Quando teve sua prisão preventiva decretada não foi mais encontrado. Semanas depois, ele se apresentou à Justiça e depôs no Fórum do Rio de Janeiro dia 16 de janeiro.
Em seu depoimento, chorando boa parte do tempo, Natalício disse que “a arma disparou”. Paulo Marinho, assessor do Banco Itaú, também atribui a morte de Jonas a “uma fatalidade”. Testemunhas, no entanto, descreveram o segurança como truculento e que já havia criado problemas com clientes, inclusive com o próprio Jonas, e que o fato seria de conhecimento da gerência. Ao contrário, Natalício disse que não conhecia Jonas. O juiz Luiz Noronha Dantas, do 2º Tribunal do Júri do Rio de Janeiro, indeferiu o pedido de revogação da prisão preventiva, além de configurar o caso como homicídio qualificado, ao invés de simples.
Dia 28 de dezembro houve uma grande manifestação em frente à agência onde ocorreu o crime. O Movimento Negro e o Sindicato dos Bancários apoiaram os familiares de Jonas. Também estiveram presentesno dia 16 de janeiro, no Fórum, durante o depoimento. Outro ato foi realizado dia 22 de janeiro, um mês após a morte de Jonas, fechando a agência do Itaú durante todo o dia e chamando a atenção dos que passavam pelo local. Foi criado o Fórum “Justiça por Jonas”, com reunião no Sindicato dos Bancários, e também uma comunidade no Orkut, feita pela própria família: “Justiça por Jonas”.
As empresas Itaú e Protege são as grandes responsáveis pelo que ocorreu no dia 22 de dezembro. Em depoimento, Natalício afirmou que o Grupo Protege não capacita adequadamente seus agentes. Ele teve apenas um dia de treinamento de defesa pessoal e 2 semanas de manuseamento de armas de fogo. E qual é a instrução dada pelo Banco Itaú S.A. aos vigilantes de suas agências? As portas giratórias são a melhor medida de segurança que os bancos podem adotar? Aeroportos, por exemplo, utilizam outros dispositivos de segurança muito mais eficientes, e as pessoas a eles submetidas estão menos propensas a uma exposição vexatória, como comumente acontece nas agências bancárias. As portas giratórias parecem detectar mais melanina que metais!
Este episódio nos leva a refletirmos sobre a situação da população negra em nosso país, principalmente em um estado como o Rio de Janeiro, onde os índices de violência crescem a cada dia. Vivemos numa sociedade racista, com uma política de Estado que tem por base manter as distâncias sociais entre brancos e negros, o racismo estrutural. Este racismo estrutural, que ainda hoje é negado, mas facilmente verificável, faz com que negros tenham oportunidades desiguais de inserção, mantendo uma sociedade de privilégios restritos a uma elite de base historicamente aristocrática. Também reproduz estereótipos voltados à população negra, que sempre são suspeitos a priori. As maiores vítimas da violência, seja a guerra do tráfico, seja a promovida por instrumentos do Estado, são os jovens negros.
Este racismo estrutural fez milhares de vítimas ao longo dos tempos, e fez mais vítimas neste episódio do Banco Itaú. O jovem Jonas, que teria toda uma vida pela frente, empreendedor, responsável pelos cuidados de sua mãe, enfim, uma referência aos seus familiares e amigos, teve sua vida bruscamente interrompida unicamente por ser negro, o que foi suficiente para que ele fosse visto como uma ameaça à segurança da agência bancária. Quantos de nós não poderíamos estar no lugar de Jonas, ou de sua família, chorando e lutando por justiça após a execução sumária de um ente querido sem motivos para tal? Assim como também poderíamos estar do outro lado, o de Natalício, também negro, um pai de família que teve suprimidas as oportunidades de acessar uma profissão que pudesse dar melhores condições à sua filha de 5 anos, que se viu obrigado a pleitear apenas funções que exigem menor qualificação, como a de vigilante. Ele também foi atingido pelo racismo estrutural que assola este país. Isso em nada muda o fato dele ter agido equivocadamente: é um homicida e deve receber as sanções legalmente previstas. E ser também negro não atenua o crime. Mas nos faz perguntar: que sistema é este que coloca dois semelhantes em lados opostos, fazendo com que um tire a vida do outro? Até quando fatos como este acontecerão? Percebemos o quão perverso é este “racismo à brasileira”, uma política de extermínio silenciosa, disfarçada de risco social e fatalidade.
Helio Ventura
A família vestiu camisetas com a foto de Jonas Eduardo para protestar contra o assassinato. Bancários e entidades do Movimento Negro participaram do protesto que marcou um mês do crime, chamando a atenção dos que passavam pelo local.