Novembro: mês da Consciência Negra
Fundo de Apoio a Miniprojetos: a organização popular valorizando a diversidade em busca da inclusão social e da garantia de direitos.
Por Helio Ventura*
Novembro de 2003
O Fundo de Apoio a Miniprojetos – FAM, que estará completando 25 anos de existência no ano de 2004, é um dos programas do Núcleo de Apoio às Iniciativas Comunitárias do CERIS – Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais, que visa contribuir com grupos informais e de base, movimentos populares e entidades representativas no seu processo de estruturação, formação e na busca de soluções para os problemas sociais, econômicos e políticos enfrentados no seu cotidiano, fortalecendo a autonomia destes grupos. Dentre as várias temáticas abordadas pelos projetos apoiados pelo FAM estão as questões étnico-raciais, dentro da linha de combate à exclusão e à discriminação. Aliás, há muito que o CERIS apóia a questão étnico-racial, mesmo antes de haver setores específicos para estas questões, haja visto que a centralidade de sua missão passa pela organização dos movimentos populares.
Principalmente após a III Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, realizada no ano de 2001 em Durban, na África do Sul, e concomitante à divulgação dos dados adquiridos no Censo 2000 do IBGE e de pesquisas do IPEA e DIEESE, obtivemos no Brasil um maior volume de discussões acerca de racismo e discriminação racial. O CERIS não se exime de se posicionar sobre tais questões e, além de ter realizado em parceria com a Ford Foundation o Concurso Nacional Ação Durban, no ano de 2002, o FAM tem apoiado vários grupos e entidades do movimento negro organizado em projetos que vão muito além da questão racial, mas que tangem políticas públicas de inclusão e valorização da diversidade, resguardando e garantindo direitos.
Projetos como “O Grito de Zumbi", realizado no ano de 2001 em Cuiabá – MT, que resultou em ação jurídica junto ao Ministério Público Federal e garantindo definitivamente a posse das terras de Mata Cavalo aos quilombolas da região. Também a “V Reunião Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas Brasileiras", na cidade de Registro – SP, e o “VII Encontro Raízes Negras", que ocorreu em Santarém – PA, ambos em 1999, trataram de questões referentes às comunidades quilombolas, diagnosticando a necessidade de se constituir uma associação das comunidades quilombolas para dar prosseguimento à luta pela titularização das terras e busca de subsídios para gerar alternativas de geração de emprego e renda nas comunidades.
Outro viés é a valorização e ostentação da cultura e arte negras, o que foi enfocado na “I Semana Zumbi dos Palmares", realizada na cidade de Caravelas – BA em 2001, promovendo a integração entre diferentes grupos e experiências culturais que ampliam iniciativas de auto-desenvolvimento social, cultural, político, e econômico local e regional, e envolvendo professores e alunos da rede municipal e estadual.
A educação foi o alvo da “Feira das Nações Africanas: reconstruindo a identidade e auto-estima do jovem negro", no ano de 2001 em Salvador – BA. Muito além do lúdico, serviu de espaço pedagógico para produção e expressão de jovens negras e negros, contribuindo para a desconstrução de concepções estereotipadas sobre o negro, construindo uma concepção positiva de negritude, e mostrando aos alunos e alunas como a comunidade negra resistiu ao racismo e à discriminação no Brasil. Também teve caráter formativo o “VI Encontro das Comunidades Negras da Diocese de Registro – SP", o qual proporcionou maiores conhecimentos sobre as origens históricas da discriminação racial no Brasil e como enfrentá-la.
Também há os projetos em que são abordadas as questões étnicas com o recorte de gênero, como vemos no "Fórum Estadual de Mulheres Negras" do Rio de Janeiro – RJ, em 2001, do qual resultou uma Plenária Estadual preparatória para a III Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, no que tange a observância dos direitos das mulheres.
A questão étnico-racial tem sido amplamente discutida pelas organizações populares em todo o território nacional, abordando os vários matizes e formulando propostas de combate ao racismo e à discriminação racial. Combate este simbolizado no vulto de Zumbi dos Palmares, ícone da luta pelo povo afro-brasileiro, lembrado e celebrado no dia 20 de novembro como representação de denúncia, protesto e resistência. Todos estes movimentos e entidades perpetuam com suas ações o espírito de luta de Zumbi, como exprime o refrão:
“Ei, Zumbi, Zumbi Ganga, meu rei.
Você não morreu, você está em mim!"
Nessa conjuntura, um dos pontos que mais tem gerado ebulição é o de implementação de ações afirmativas pelo viés da política de cotas para estudantes “negros e pardos" em algumas universidades estatais do país, com destaque para a Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. A polêmica gerada deixou vir à tona o quão falso é o mito da democracia racial, que as elites e classes mais abastadas consideram-se detentoras legítimas das vagas oferecidas nas universidades, repito, estatais – e não públicas, uma vez que os percentuais de seus freqüentadores não são expressão de nossa população, seja em relação à cor da pele ou à classe social –, dado o número de liminares contra o dispositivo, e o que a grande imprensa pode fazer, e geralmente o faz, para formar opiniões carregadas de juízos de valor dos segmentos dominantes da sociedade. Essa situação ocasionou o surgimento do Fórum Estadual Pró Ação Afirmativa para a Comunidade Negra, formado por entidades que se uniram em prol da defesa dos direitos dos estudantes[1] que ingressaram na UERJ via cotas, tanto para “negros e pardos" quanto para oriundos de escolas da rede estatal – estes direitos sim legítimos, uma vez que pretendem aproximar da realidade a representatividade da população[2] dentro das universidades.
*Helio Ventura é cientista social e integrante da equipe do FAM/CERIS.
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[1] Muitos dos estudantes beneficiados pelas cotas são oriundos do Pré Vestibular para Negros e Carentes – PVNC, que proporciona cursos comunitários alternativos desde 1993, principalmente na Baixada Fluminense.
[2] Ainda como desdobramento destas ações, no dia 17 de novembro, em plena Semana Nacional de Consciência Negra, será lançada por várias entidades, tendo a frente o Centro de Articulação de Populações Marginalizadas – CEAP, a campanha “Ação Afirmativa, Atitude Positiva", que entre outras ações concederá um selo a empresas, escolas e pessoas físicas que promovam ações afirmativas, além de valorizar e divulgar a cultura afro-brasileira.
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